Acordei com o gosto do estranhamento na boca. Um sentir deslocada, um estar fora do mundo, fora de mim. Dirigia – sabe Deus com que atenção – quando avistei três objetos simétricos, dançando, suspensos no ar. Pelo peso, formato, altura do voo, pareciam aviões de guerra. Acho que treinavam uma valsa, ao ritmo de três motores. Uma guerra que se faz no espaço de uma manobra, a guerra que se faz no sopro do vento: haverá poesia até na guerra?
A guerra aqui embaixo é a de todos os dias, lenta, terrível porque durável. A guerra de tentar, não conseguir, sobreviver à derrota e ter que recomeçar, dia após dia, num exercício infinito. A guerra de desejar o improvável, a tentação do impossível, como já diria o Llosa. Acho que acordei com defeito.
Já conhece o mito do Sísifo? Albert Camus ilustrava o absurdo da condição humana através deste mito. Um homem que tem que subir uma montanha para levar uma pedra, mas toda vez que ele chega próximo do cume a pedra cai e ele volta a descer no início da montanha para novamente tentar subir com a pedra. Isso eternamente. Lembrei desse mito por causa do trecho "A guerra de tentar, não conseguir, sobreviver à derrota e ter que recomeçar, dia após dia, num exercício infinito." Talvez tu tenhas sentido algo da Náusea sartreana e o delírio do absurdo camusiano. Por isso, eu diria que tu não acordaste com defeito. É uma condição comum a todos os homens.
Abraço
Vinícius, conheço o mito sim! É engraçado que, no mesmo dia, um outro amigo fez referência ao mesmo autor. Coincidência ou são os ares de dezembro? Abraço!