Ausência e História: Héctor Abad Faciolince


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Recebi em novembro o convite muito simpático para dar uma dica de leitura ao programa Studio Viva, apresentado pela querida Mariana Marques, na TV OPOVO. Quando parei para pensar sobre que livro escolher, entre tantos, resolvi indicar aquele que, em 2011, mais me comoveu, mais me emocionou. O livro A Ausência que seremos, do escritor colombiano Héctor Abad Faciolince foi o eleito. A obra tem um gênero difícil de ser definido, pois apesar da estrutura de romance, tem o traço de autobiografia: retrata a relação do escritor com o seu pai, o médico sanitarista Héctor Abad. Da infância à idade adulta, a história nos conduz aos conflitos, afetos, dores, amores de uma família formada por irmãos unidos, um pai apaixonado pela causa política dos direitos humanos e uma mãe muito feminina e muito forte que tomou para si a tarefa de chefiar a família, para o que pai pudesse, simplesmente, lecionar e pensar.
O título é especial, retirado de um poema do Jorge Luis Borges, encontrado no bolso do pai por Héctor por ocasião de sua morte. Nós já somos a ausência que seremos. A história que construímos vai deixando um rastro, a nossa marca, e nós seremos lembrados não apenas pelos atos finais, mas por toda a teia de gestos e palavras que nos definem. Espero que gostem da dica de leitura. A tradução para o português foi publicada no Brasil em 2011, pela editora Cia das Letras.

“Em casa moravam dez mulheres, um menino e um senhor. As mulheres eram Tatá, que fora babá da minha avó, tinha quase cem anos e estava meio surda e meio cega; duas empregadas – Emma e Teresa –; minhas cinco irmãs – Maryluz, Clara, Eva, Marta, Sol –; minha mãe e uma freira. O menino, eu, amava o senhor, seu pai, sobre todas as coisas. Amava-o mais que a Deus. Um dia tive que escolher entre Deus e meu pai, e escolhi meu pai. Foi a primeira discussão teológica da minha vida, e a mantive com a irmã Josefa, a freirinha que cuidava da Sol e de mim, os irmãos mais novos. Fechando os olhos ainda posso ouvir sua voz áspera, grossa, enfrentando minha voz infantil. Era uma manhã clara e estávamos no quintal, ao sol, olhando os beija-flores fazerem sua ronda. De repente a irmã disse:
- Seu pai vai para o Inferno.
- Por quê? – perguntei.
- Porque ele não vai à missa.
- E eu?
- Você vai para o Céu, porque toda noite reza comigo.”
(ABAD, Héctor. A Ausência que seremos. Cia das Letras, 2011)

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