Archive for dezembro 2011

Passagem

dez
2011
31

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Que venha 2012. O ano da renovação. Para que possamos aprender a mudar, sendo os mesmos. Desejo uma linda passagem de ano a todos os amigos do Ler para Contar!





Por Cecília Meireles

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.

Cumplicidade na poesia de Adélia Prado

dez
2011
30

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Casamento
Por Adélia Prado

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Novos Ares

dez
2011
30

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30 de dezembro. É preciso abrir as janelas, deixar a rajada de vento entrar, percorrer os espaços vazios, levar o pó, fazer a cortina dançar, envergonhada da intimidade, os quadros na parede animados com o pedaço de vida que entra assim, transparente e fresco. Dia de vestir boa roupa. De soltar um sorriso para qualquer estranho triste. Olhar no espelho e pensar: como você cresceu, moça! Dia de largar a velharia, deixar só o antigo, bonito em sépia, sem pó, sem melancolia, só uma nostalgia leve de quem percebe a passagem do tempo. 2011 fica na história como um ano de tormentas. Por enquanto, aqui, a tormenta é só a brincadeira do vento que chega da praia, fazendo algazarra.

Quintanilha

dez
2011
29

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DO AMOROSO ESQUECIMENTO
Por Mário Quintana

Eu agora, - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

O Namoro e a Goiabeira: Manoel de Barros

dez
2011
29

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A Namorada
Por Manoel de Barros

Havia um muro alto entre nossas casas.
Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por
um cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.

Pontinhos: A Arte de Georges Seurat

dez
2011
28

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Deixo para vocês duas obras do mestre francês do pontilhismo: Georges-Pierre Seurat. A técnica sempre me encantou. Tive a oportunidade de ver de pertinho algumas telas de Seurat e posso dizer que não acharia ruim ter uma delas na parede da sala. É fim de ano e sonhar não custa nada, não é?



A tela abaixo foi intitulada Baigneurs, Asnières e está em exibição na National Gallery de Londres, museu onde se pode encontrar as magníficas aquarelas de Turner. O Pontilhismo é considerado uma Escola do Impressionismo e trabalha com ilusão de ótica provocada pelo uso de cores complementares para formação do desenho. É possível comparar, com os dois trabalhos, a suavização da técnica empregada pelo artista.


A Dor de D. W. Lawrence

dez
2011
28

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D. W. Lawrence foi um espírito atormentado, moldado pela escola expressionista. O inglês nascido em 1885 é autor de obras polêmicas como Mulheres Apaixonadas e o excelente O Amante de Lady Chatterley, considerado pornográfico na época sua publicação. D. W. Lawrence parece ter cumprido o seu papel (compartilhado com Gustav Flaubert) de mostrar as ambiguidades e complexidades do adultério feminino. Vale conhecer. Bom dia!


E ela foi percebendo vagamente uma das grandes leis da alma humana: a de que quando uma alma emotiva recebe um choque lesivo, que não mata o corpo, a alma parece se recobrar à medida que o corpo se recupera. Mas isso é só aparência. É, na verdade, apenas o mecanismo do hábito retomado. Devagar, bem devagar, a ferida da alma começa a se fazer sentida, como uma machucadura que vai aos poucos aprofundando sua dor terrível, até que preenche toda a psique. E quando achamos que nos recuperamos e esquecemos, é aí que os terríveis efeitos colaterais se manifestam no que têm de pior. (D. H. LAWRENCE, O Amante de Lady Chatterley)

Uma Tarde com Benedetti

dez
2011
27

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Amor de Tarde
por Mario Benedetti

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são quatro
e termino a planilha e penso dez minutos
e estico as pernas como todas as tardes
e faço assim com os ombros para relaxar as costas
e estalo os dedos e arranco mentiras.

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são cinco
e eu sou uma manivela que calcula juros
ou duas mãos que pulam sobre quarenta teclas
ou um ouvido que escuta como ladra o telefone
ou um tipo que faz números e lhes arranca verdades.

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são seis.
Você podia chegar de repente
e dizer "e aí?" e ficaríamos
eu com a mancha vermelha dos seus lábios
você com o risco azul do meu carbono.

Montale: A Festa no Céu

dez
2011
27

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Um bom dia com as palavras do italiano Eugenio Montale. Para todos os que têm medo de 2012 e suas previsões catastróficas.




Por Eugenio Montale

Um dia não muito longe
assistiremos à colisão
dos planetas e o céu diamantado
acabará submerso em escombros.
Então colheremos flores rutilantes
e estrelas de néon.
Olha, eis o sinal, um fogo
acende-se no céu, chocam-se
Júpiter e Órion e no terrível
estampido onde acabou o homem?
Certo que basta um sopro neste mundo
em que vivemos para que ele acabe.
Ficará talvez um grito, o da
terra que não quer perecer.

A arte de falar e a arte de calar: Cândido de Carvalho

dez
2011
26

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Umas letrinhas divertidas de José Cândido de Carvalho, autor da obra-prima O Coronel e o Lobisomem. Boa segunda para vocês!



Em boca fechada bem-te-vi não faz ninho

Por José Cândido de Carvalho

Campos de Melo passou todos os anos de sua vereança sem dar uma palavra. Era o boca-de-siri da câmara municipal de Cuité. Até que, uma tarde, ergueu o busto, como quem ia falar. O presidente da Mesa, mais do que depressa, disse:


— Tem a palavra o nobre vereador.

Então, em meio do grande silêncio, o grande mudo falou.

— Peço licença para fechar a janela, pois estou constipado.

Literatura na Veia: Orhan Pamuk

dez
2011
26

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Orhan Pamuk é um escritor turco que nasceu em 1952, tornando-se mundialmente conhecido quando foi agraciado com o prêmio Nobel de literatura em 2006. Autor do romance (e quase best-seller) Neve, Pamuk tem sua obra publicada em português pela Cia das Letras. Gostei muito de ler os seus ensaios (seriam crônicas?) publicados na coletânea Outras Cores. Um autor contemporâneo, com grande qualidade literária e escrita fácil, leve, boa para as férias. Deixo-os com um trecho do ensaio O Autor Implícito, no qual o Pamuk fala sobre o ofício de escritor e seu amor pela literatura.


Para ser feliz, preciso da minha dose diária de literatura. E nisso não sou diferente do doente que precisa tomar uma colher de remédio por dia. Quando eu soube, na infância, que os diabéticos precisavam tomar injeção todo dia, fiquei muito penalizado, como a maioria das pessoas, e posso até ter pensado que eles estavam meio mortos. Minha dependência da literatura deve deixar-me igualmente meio morto. Quando eu era um jovem escritor, principalmente, sentia que os outros me consideravam apartado do mundo real, e por isso condenado a viver meio morto. Ou talvez a expressão correta seja “meio fantasma”. Às vezes cheguei a pensar que estava totalmente morto, e tentava, com a literatura, insuflar de volta alguma vida no meu corpo morto. Para mim, literatura é remédio. (PAMUK, Orhan. O autor implícito. In: Outras Cores, Cia das Letras, 2010, pg. 20)

O Natal e os Peanuts

dez
2011
25

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A linda canção Christmas Time is here nos fala um pouco sobre esse sentimento genuíno de esperança e aconchego que chega com o Natal mencionado por Dickens no post anterior. Isso não quer dizer que precisamos estar em êxtase de felicidade. Afinal, sempre há Charlie Browns no mundo. Até 2012, Natal.



Contos de Natal: Charles Dickens

dez
2011
25

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A leitura mais tradicional de Natal é a de Charles Dickens e os seus Christmas Tales. O inglês Dickens nasceu em 1812 e é considerado o escritor responsável pelo regaste do espírito natalino tradicional britânico. Deixo com vocês um trecho do texto “Festividades de Natal”, publicado na obra A Christmas Carol and Other Christmas Writings, da Penguin Classics. Nas palavras de Dickens, o natal é uma oportunidade única para a família se reencontrar, reunindo todos, pobres e ricos, as crianças ansiosas pelas festas muito antes do anúncio da neve de dezembro. Uma referência para quem quiser “sentir” o clima do Natal. Feliz dia 25 a todos!


"The Christmas Family Party that we mean is not a mere assemblage of relations, got up at a week or two’s notice, originating this year, having no Family precedent in the last, and not likely to be repeated in the next. It is an annual gathering of all the accessible members of the family, young or old, rich or poor, and all the children look forward to it for some two months beforehand in a fever of anticipation." (DICKENS, Charles)

Natal no Ballet: Edgar Degas

dez
2011
25

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Dedico a pintura magnífica do impressionista Edgar Degas a todos os que, como eu, sonham em comemorar o dia 25 de dezembro assistindo ao Quebra Nozes na Ópera de Paris. Feliz Natal.



Degas ficou célebre pelo tema de suas pinturas: o universo do Ballet, dos palcos, da preparação nos bastidores. Um impressionista atípico: o trabalho de luz, em Degas, não é do dia, do sol, mas da luz artificial dos teatros. Lindas bailarinas, universo de sonho.


A Voz de Cecília: Herança

dez
2011
23

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Amanhã é natal, e por todos os lados ouvimos mensagens de esperança e renovação. Nem sempre é fácil acreditar que tudo vai melhorar, que o ano novo será bom, que a vida vai florescer. Para os que, como eu, compartilham da dúvida sobre o futuro (e também sobre o que deixamos), ofereço a poesia de Cecília Meireles, publicada na obra Viagem.



Herança
Por Cecília Meireles

Eu vim de infinitos caminhos
e os meus sonhos choveram lúcido pranto
pelo chão.

Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos,
essa vida, que era tão viva, tão fecunda,
porque vinha de um coração?

E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos,
do pranto que caiu dos meus olhos passados,
que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão?

Reflexões sobre o Amor com Gullar

dez
2011
22

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Deixo com vocês um trecho da crônica “Sobre o Amor” de Ferreira Gullar, para que possamos refletir um pouco sobre esse estado de espírito.

Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.

Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.
(GULLAR, Ferreira. Sobre o Amor)

A Boemia por Toulouse-Lautrec

dez
2011
21

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Adoro a arte inebriada de Henri de Toulouse-Lautrec. O pintor francês nasceu na segunda metade do século XIX e partiu em 1901, acometido de sífilis. Boêmio, frequentador dos cafés e do Moulin Rouge, Lautrec deixou o retrato colorido, dançante, bêbado e quase sempre triste da noite de Montmartre.  Porque, em Paris, tudo é possível.


No Mundo da Lua: Vinícius de Moraes

dez
2011
21

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O Astronauta
Por Vinícius de Moraes


Quando me pergunto
Se você existe mesmo, amor
Entro logo em órbita
No espaço de mim mesmo, amor

Será que por acaso
A flor sabe que é flor
E a estrela Vênus
Sabe ao menos
Porque brilha mais bonita, amor

O astronauta ao menos
Viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber
Porque é bom morar no azul, amor

Mas você, sei lá
Você é uma mulher, sim
Você é linda porque é

Dickinson e a União dos Opostos

dez
2011
21

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A poetisa americana Emily Dickinson nasceu em 1830. Sofreu na pele a dificuldade de ser mulher em um Estado conservador em pleno século XIX. O poema que deixo a vocês é uma demonstração de sua maturidade poética. Boa quarta a todos!




Por Emily Dickinson

Dentre todas as Almas já criadas -
Uma - foi minha escolha -
Quando Alma e Essência - se esvaírem -
E a Mentira - se for -

Quando o que é - e o que já foi - ao lado -
Intrínsecos - ficarem -
E o Drama efêmero do corpo -
Como Areia - escoar -

Quando as Fidalgas Faces se mostrarem -
E a Neblina - fundir-se -
Eis - entre as lápides de Barro -
O Átomo que eu quis!

Amor e Desrazão em Drummond

dez
2011
20

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As sem-razões do amor
Por Carlos Drummond de Andrade

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

P.S. A linda foto é do francês Henri Cartier-Bresson.

Augusto dos Anjos: A Humanidade Suja

dez
2011
20

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O paraibano Augusto dos Anjos foi um dos grandes poetas brasileiros da geração maldita de fins de século XIX, moldados à imagem e semelhança de Charles Baudelaire. Como muitos, estudou Direito, sendo diagnosticado ainda jovem com “distúrbios” de natureza nervosa. O diagnóstico da enfermidade fica por conta de Fluxo do Pensamento. Deixo-os com o célebre poema “versos íntimos”, que deve ter feito companhia a muitos na adolescência.




Versos Íntimos
Por Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Angústia da Juventude: Lição de Hélio Pellegrino

dez
2011
19

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A juventude não é uma entidade material, não se revela nos traços, no viço da pele e na cor dos cabelos, mas na amplitude do olhar que deitamos ao mundo. Aos meus amigos que sofrem por serem velhos demais ou jovens Peter-pans, deixo a mensagem de Hélio Pellegrino a Fernando Sabino. Eis uma das lições que não consegui aprender com meu pai: permanecer sempre jovem, em qualquer circunstância.

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."  
PELLEGRINO, Hélio.

Dois Rios: A Intensidade de Tatiana Levy

dez
2011
19

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É curioso como parecem existir livros que chegam em nossa vida no exato instante em que precisamos lê-los. Livros que passam dias, meses, anos no esquecimento da prateleira, sem que nos demos conta de que eles foram escritos, que falam sobre determinado assunto. Passei a última semana lendo, com dificuldade, o último livro de Tatiana Salem Levy, jovem escritora brasileira que vem sendo muito bem recebida pela crítica. Isabelle Menezes, minha colega de trabalho e de leituras, já me havia falado dela, dito que a leitura é intensa. Eu pude experimentar a intensidade na pele. Não porque o estilo seja hermético, longe disso, a leitura é fácil e leve. O que pesa n’alma da gente é a voz do narrador, que ecoa nas certezas mais inconscientes. Em Dois Rios, temos a história dos gêmeos Antônio e Joana, a desintegração familiar provocada pela morte do pai, o transtorno obsessivo-compulsivo da mãe e a decisão de viver do filho. Marie-Ange, como próprio nome diz, é o anjo que vai trazer Joana de volta à vida e Antônio de volta a casa. A grande tristeza da felicidade é que ela não permanece conosco por muito tempo. Boa leitura.

“Lembro-me de uma vez em que havíamos jurado à nossa avó que estaríamos em casa a tempo da janta, pois ela receberia visita e queria a nossa presença. Assim que o sol se pôs, a lua surgiu de forma tão sincronizada que nos foi impossível abandonar a pedra. Víamos a praia, o sol e a lua quase sempre, ano após ano, mas por algum mistério nunca nos cansávamos de vê-los e revê-los. Às vezes a vida é tão, tão bonita que não enjoa.”

Fred Astaire e Ginger Rogers dançam Cole Porter

dez
2011
18

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Não preciso dizer nada. Fred e Ginger dançam Night and Day de Cole Porter. Vale a pena esperá-los começar a dançar. Voemos juntos.







Night and Day
by Cole Porter

Like the beat beat beat of the tom-tom
When the jungle shadows fall
Like the tick tick tock of the stately clock
As it stands against the wall

Like the drip drip drip of the raindrops
When the summer shower is through
So a voice within me keeps repeating
You, you, you

Night and day, you are the one
Only you beneath the moon or under the sun
Whether near to me, or far
It's no matter darling where you are
I think of you


That this longing for you follows wherever I go
In the roaring traffic's boom
In the silence of my lonely room
I think of you

Day and night, night and day
Under the hide of me
There's an oh such a hungry yearning burning inside of me
And this torment won't be through
Until you let me spend my life making love to you
Day and night, night and day

Neruda de Domingo: A Ternura do Amor

dez
2011
18

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Manhã de domingo. É tempo de lembrar, com Pablo Neruda, que o amor pode ser doce e terno. Que o nosso dia seja feliz.



 


Por Pablo Neruda

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

A Arte Colorida de Xul Solar

dez
2011
18

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Mais cedo postei uma obra de Macke, representante do Expressionismo alemão. A referência a Macke me fez lembrar um artista argentino chamado Xul Solar, nome artístico de Oscar Schulz Solar, nascido em Buenos Aires no final do século XIX. Xul Solar é impressionante: suas cores, a atmosfera de sonho (às vezes de pesadelo), a sua percepção dos movimentos. Passou parte da juventude em Paris, onde foi influenciado pelo cubismo, marca muito forte na sua obra. Tive a oportunidade de conhecer Xul Solar no MALBA, em Buenos Aires, e foi uma grande descoberta. Há uma mágica com os cubistas que só se percebe ao observar, de perto, as suas obras. Foi o que aconteceu com o Picasso, quando tive a oportunidade de conhecê-lo. Vamos dar uma chance à arte, porque só ela é capaz de dar um sentido à vida. Beijo colorido em todos.


Sílvia e o Diário: Erico Verissimo

dez
2011
17

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Erico Verissimo, pai do conhecido e popular Luís Fernando Verissimo, foi um escritor gaúcho que faleceu em 1975. Dono de uma obra vasta, sensível e profunda, Verissimo deixou livros que retratam tanto o cenário urbano como a vida rural. Deixo hoje o trecho da obra O Diário de Sílvia, que integra a saga O Tempo e o Vento, republicada pela Cia das Letras. A personagem que dá nome ao título vive em Santa Fé, na década de 40, e utiliza o diário para relatar a vida cotidiana. A triste Sílvia, apesar de casada com Jango, é apaixonada por Floriano, seu cunhado. Bom sábado!


 Até que ponto escrevo este diário num desafio ao meu marido, num obscuro desejo de que um dia ele o descubra e leia, e a coisa toda se precipite sem que eu tenha a responsabilidade completa pelo desfecho? Até que ponto este diário é o meu veneno?
...
Não creio que eu satisfaça Jango de maneira completa, pois nesses minutos de contato carnal permaneço em estado cataléptico. Ele, porém, nunca se queixou. Jamais discutiu, nem mesmo indiretamente, o assunto. O que ele parece querer mesmo é que na hora em que me deseja eu esteja a seu lado, submissa. Um cavalo sempre encilhado à porta da casa, pronto para qualquer emergência...
Certas noites, na estância, chego a desejar que ele volte tão cansado das lidas do dia que ao deitar-se durma imediatamente e me deixe em paz. (VERISSIMO, Erico. O Diário de Sílvia. Cia das Letras: 2005)

Sábado Expressionista: A Alegria em Macke

dez
2011
17

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Sábado, meio-dia. Sol forte em Fortaleza. Dourado, vivo. Os ventos da praia chegam até a sala, trazendo o sal, os rumores de que bem perto, a alguns metros, há gente rindo, banhando-se, vivendo com os pés enterrados na areia fina. Um dia reservado para a alegria? Que linda ideia. Estarei alegre, sim.

Para ilustrar nossa alegria (minha e de Bob), deixo a pintura do  alemão August Macke, representante do expressionismo, que viveu na passagem do século XIX para o XX. Há muito da pintura de Kandinsky em Macke. Adoro as cores, só consigo defini-las com a palavra "maciez". O nome da obra é Grüne Jacke.



O Rio é Tão Longe: Cartas de Otto Lara Resende

dez
2011
16

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Ir à livraria nunca é em vão, mesmo quando estou decidida a não adquirir nenhum livro, porque já há uma pilha em casa para ler. Sempre aparece algum título implorando para ir comigo para casa. Hoje fui à Cultura tomar um café e deparei com uma coletânea de cartas de Otto Lara Resende a Fernando Sabino, publicada pela Cia das Letras (O Rio é Tão Longe: Cartas a Fernando Sabino). Como eu adoro ler cartas, não resisti. Segue um bilhetinho simpático em que Otto comenta o estilo de Shakespeare. Boas férias aos meus queridos alunos e um bom fim de semana aos que não sabem mais o que são as férias.


Belo Horizonte, 19 de agosto de 1945.

Fico besta como morrem os personagens de Shakespeare, nem os passarinhos morrem com mais naturalidade, com mais simplicidade. Exeunt, esta palavra tem algo de misterioso e poético. Vede, o personagem faz um teatrozinho, é ferido (ninguém morre de cama, é tragédia!) e...morre. Morre assim nesta única palavra, dies.

                        O, I am slain! If thou be merciful
                        Open the thomb, lay me with Juliet.
                                               (Dies)

É ou não é formidável? Morrem numa palavra.




Obs: Aos que estão se perguntando como é que eu comprei um livro hoje à tarde e já estou postando a leitura, explico que o carro quebrou justo quando eu ia embora, o que me levou a esperar a ajuda por uma hora e pouco. Como já tinha comprado o livro, não perdi a viagem.

Pescando estrelas com Marina Colasanti

dez
2011
16

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Marina Colasanti é uma escritora que participou da minha infância através dos livros paradidáticos. Nascida na Eritreia, filha de pais italianos, mudou-se ainda criança com a família para o Brasil, fugindo do caos da grande guerra. O livro autobiográfico em que a autora nos conta sobre esse período vivido na Itália é magnífico e chama-se Minha Guerra Alheia. Deixo-os com um pequeno conto, uma linda metáfora sobre o ofício de escritor, publicado na coletânea Contos de Amor Rasgados.
As duas obras foram publicadas pela Editora Record. Boa sexta a todos!


No mar sem hipocampos
Por Marina Colasanti

Assim que anoiteceu, saiu para pescar. Peixes não, estrelas.
Afastou da casa, atravessou um campo até o seu limite.
Na linha do horizonte, sentado à beira do céu, abriu a caixa das frases poéticas que havia trazido como iscas. Escolheu a mais sonora, prendeu-a firmemente na rebarba luzidia.
Depois, pondo-se de cabeça para baixo, lançou a linha no imenso azul, deixando desenrolar todo o molinete.
E, paciente, enquanto a Lua avançava sem mover ondas, começou a longa espera de que uma estrela viesse a morder o seu anzol.

O Sofrer de Florbela Espanca

dez
2011
15

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Tenho que confessar que acordei muito melancólica e que não tive ânimo para escrever nada para o blog até o momento. Já tinha me dado um dia de folga, quando chega um comentário anônimo perguntando se estamos em greve. Num certo sentido, sim. Ontem, enquanto dirigia para casa depois do trabalho, destruída emocionalmente, decidi várias mudanças. Provavelmente boa parte delas nunca sairá do plano da expectativa, mas uma coisa é certa: em 2012, eu preciso me dar tempo, me dar atenção, ouvir o som dos meus próprios pensamentos. Para que o dia não seja perdido, deixo um texto da poetisa portuguesa Florbela Espanca, que escreveu com intensidade que se pode imaginar sobre perda, sofrimento e toda espécie de histeria nervosa. Eu a conheci quando tinha 15 anos através de um excelente professor de literatura chamado Mário, um dos grandes responsáveis por todo o meu amor pelos livros. Um bom resto de noite a todos.


Por Florbela Espanca

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Ausência sentida: Vinícius de Moraes

dez
2011
14

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Eu sei que a poesia é longa e que o teor é levemente cafona (paixões intensas tendem a ser muito cafonas, porque só aceitam a plenitude), mas meu espírito hoje está de folga para o que não seja puro lirismo. Um bom fim de quarta para vocês.




Ausência
Por Vinícius de Moraes


Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto
existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar
uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como nódoa do passado
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só
como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.

O Amor de Infância: Chico Buarque

dez
2011
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É difícil definir o Chico Buarque: um grande músico, poeta, romancista (por que não dizer homem?). Os romances não são uma unanimidade. Eu mesma não gostei de alguns, mas fiquei muito tocada com o último Leite Derramado. Por isso, como estamos todos cansados para uma prosa mais pesada, nada melhor que começar o meio de semana com uma música leve, bonita, que fala sobre uma visão do amor infantil. Escutem o Chico explicando a história de João e Maria.


João e Maria
Chico Buarque

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês


Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país


Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido


Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?



A tradução do Eu em Ferreira Gullar

dez
2011
13

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Traduzir-se
Por Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pensa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
 - que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?