Archive for abril 2012

O Fim do Amor: Toussaint

abr
2012
29

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Passo por aqui apenas para compartilhar a minha leitura de domingo, do escritor belga Jean-Philippe Toussaint, o romance Fazer Amor. Em poucas palavras, trata-se da história de um casal à beira do abismo, um último adeus, em Tóquio. Puro lirismo. Escrevo o post ouvindo a música Medo de Amar na voz do Tom Jobim, o que torna o contexto ainda mais propício. Bom começo de semana para vocês que já perderam um amor.





"Portanto não foi por meio de palavras que eu tinha conseguido transmitir a ela aquele sentimento de beleza da vida e de adequação ao mundo que ela sentira com tanta intensidade à minha presença, nem com meus olhares, nem com minhas ações, mas sim por meio da elegância daquele gesto tão simples que dirigi lentamente a ela com tal delicadeza metafórica que fez com que ela de repente passasse a concordar com o mundo a ponto de me dizer, algumas horas mais tarde, com a mesma audácia, a mesma espontaneidade ingênua e corajosa, que a vida era bela, meu amor."
 
(TOUSSAINT, Jean-Phillipe. Fazer amor, tradução de Ana Ban. São Paulo: Globo, 2005, pg. 13)

Poesia de Casamento: Adélia Prado

abr
2012
29

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Ontem à noite aconteceu o casamento da adorável Luana e seu noivo Daniel. Sobre as mesas, poesia para deixar a noite ainda mais encantada. A Adélia Prado me fez abrir um sorriso em pleno casamento diante da beleza de suas palavras. Sempre que leio esse poema penso na absoluta cumplicidade dos amantes. Bom domingo a todos vocês e muita felicidade aos noivos, que a festa foi boa e alegre!







Casamento

Adélia Prado




Há mulheres que dizem:


Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como "este foi difícil"

"prateou no ar dando rabanadas"

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.


Update: Este poema já tinha sido publicado no blog no dia 31/12/2011.

Família Feliz

abr
2012
28

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Uma foto estranhamente feliz do turbulento casal  de escritores Zelda e Scott Fitzgerald. Bom domingo a todos!

Palavras Lúcidas: Rilke

abr
2012
27

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Vivemos num mundo de exigências e cobranças. Somos avaliados pelos resultados, pelo sucesso, pelo que fizemos de grandioso. Percebo que, diante dessa corrida muitas vezes absurda, cada vez mais as pessoas têm procurado algum alento em vídeos e livros de caráter motivacional. O material costuma ser meio bobo, óbvio e, no meu entender, não tratam do mais importante: trazer uma reflexão sobre o sentido que atribuímos à nossa vida e ao que fazemos dela. Reconhecer o valor de uma conquista, a sua função no nosso crescimento e na construção da felicidade é o melhor meio de ter perseverança. Talvez a literatura possa nos ajudar a encontrar palavras de motivação e sair do lugar da cegueira. 




Rainer Maria Rilke, poeta alemão que escreveu as magníficas Elegias de Duíno, nascido em 1875, publicou o texto Cartas do Poeta sobre a vida (Martins Fontes, 2007). São pequenos ensaios sobre temas como o cotidiano, o tédio de trabalhar, a dor da perda, a superação. Para ajudar a clarear a mente. Recomendadíssimo!




“Há tantas pessoas que esperam de mim não sei exatamente o quê – auxílio, conselhos (de mim, que me encontro totalmente ‘perplexo’ ante as urgências mais autoritárias da vida!) – e, embora saiba que elas estão enganadas, erradas a esse respeito, eu contudo me sinto tentado (e não creio que seja por vaidade!) a compartilhar com elas algumas de minhas experiências – alguns frutos de minhas longas solidões...nesse sentido, do mesmo modo como ajudaria um cego.”

Inverno Japonês: Hiroshige

abr
2012
26

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Para inspirar o dia de vocês, a obra de Ando Hiroshige.




O inverno é aqui.


Travesseiro Japonês: O Mundo da Delicadeza

abr
2012
25

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O Livro de Travesseiro, da escritora japonesa Sei Shônagon, é uma obra-prima para os que desejam compreender os costumes do Japão tradicional. Shônagon foi dama da corte imperal e deixou suas memórias sobre as práticas da corte neste livro, quase um diário, uma percepção vívida e irônica sobre a vida cotidiana. Sei Shônagon viveu entre 966 e 1025 do calendário cristão. Deixo-os com um trechinho do livro, bom para nos fazer sonhar.



“Choveu muito no dia seguinte. Transcorreu o dia e anoiteceu sem que eu recebesse notícias dele. Concluí que havia afastado por completo seu pensamento de mim. À noite, eu estava sentada na borda da varanda, quando vi chegar um menino com um guarda-chuva aberto em uma mão e uma carta na outra. Abri a carta com ansiedade maior que a normal. A chuva que atormenta o rio, dizia a mensagem, que achei mais encantadora do que se houvessem dedicado numerosos poemas”.

 (SHÔNAGON, Sei. O Livro de Travesseiro, tradução de Andrei dos Santos Cunha, Porto Alegre, Escritos, 2008, pg. 341)

Próxima Parada: Terra do Nunca

abr
2012
25

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Vamos fugir na bicicleta do Cartier-Bresson? Henri, dá uma carona?!


Bataille e o Pessimismo

abr
2012
25

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Hoje temos um poema livremente traduzido do mestre do erotismo francês. Autor da obra História do Olho, Georges Bataille, nasceu em 1897 e partiu em 1962.




Venda-me os olhos
Por Georges Bataille


Venda-me os olhos
Eu amo a noite
Meu coração é treva


Conduz-me pela noite
Tudo é falso
E eu sofro


O mundo sente a morte
As aves voam, os olhos vazados
Tu estás sombria como um céu enegrecido




Bande-moi les yeux

Por Georges Bataille


Bande-moi les yeux
J’aime la nuit
Mon cœur est noir



Pousse-moi dans la nuit
Tout est faux
Je souffre

Le monde sent la mort
Les oiseaux volent les yeux crevés
Tu es sombre comme un ciel noir.


Pintura de Transição: Édouard Manet

abr
2012
24

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O francês Édouard Manet foi considerado um precursor da escola Impressionista nas belas artes francesas. Na sua pintura, é possível encontrar elementos do realismo e algumas características que os pintores impressionistas viriam a desenvolver à exaustão, como a representação da luz natural em suas obras, a incorporação de temas mais triviais, referentes ao cotidiano burguês. Quando jovem, participou de uma viagem de observação ao Rio de Janeiro, prática difundida entre artistas, antropólogos e biólogos europeus no século XIX que desejavam descobrir a “vida selvagem dos trópicos”.



Na obra Le Déjeuner sur l’Herbe (Almoço sobre a Relva), que segue abaixo, pode-se observar claramente os elementos de transição entre as duas escolas da pintura, pois ainda temos a junção dos temas mais clássicos aos objetos modernos. A obra está exposta no Musée d’Orsay, em Paris, e foi apresentada ao público pela primeira vez em 1863.



Boa terça a todos vocês!


Feliz Dia do Livro!

abr
2012
23

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Hoje é comemorado o Dia Nacional do Livro e nada melhor que uma notícia boa para reviver nosso otimismo: o Governo Federal anunciou investimento de 373 milhões de reais para execução do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). A maior parte dos recursos vai para implantação e modernização de bibliotecas públicas e formação de agentes de leitura! Leia a notícia completa aqui.



Literatura no Divã: Arthur Schnitzler

abr
2012
23

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Há um mês comecei a leitura do romance O Médico das Termas, do escritor austríaco Arthur Schnitzler. Durante a leitura, mudei de casa e a obra ficou duas semanas “perdida” entre as muitas caixas de livros que vieram para o novo apartamento e permanecem, ainda, intocadas. Como que por milagre, acabei encontrando acidentalmente o livro, concluído ontem à noite. Schnitzler é um escritor queridinho dos psicanalistas. Nascido em 1862, médico, contemporâneo de Freud, desenvolveu uma literatura que retrata os efeitos do inconsciente sobre os atos humanos. Há relatos de que Freud e Schnitzler conheceram-se em vida, sendo possível encontrar sua correspondência para leitura. Seu tradutor para o português afirma que alguns romances de Schnitzler poderiam ser, facilmente, relatos de casos clínicos freudianos, dada a precisão acadêmica com que constrói a profundidade psicológica de seus personagens.



No romance O Médico das Termas, o doutor Gräsler, que sempre foi assistido nos afazeres domésticos pela irmã mais velha (mãe?), solteirona, se vê desorientado pela perda inesperada de Friedericke, que se suicida. O romance se desenrola na busca de Gräsler por uma figura feminina que substitua Friedericke, onde fica evidente a sua dificuldade de criar laços afetivos. Leitura boa, de qualidade, e, apesar do tema, muito fluente. Vale conhecer!




“Sim, ela havia mencionado na noite anterior que tinha direito a uma semana de férias por ano, da qual, como se tivesse previsto alguma coisa, ela não havia feito uso durante o verão; e ele, na embriaguez dos primeiros abraços, convidara a moça a uma pequena viagem de lua de mel depois de ouvi-la...

Mas agora que ela se apresentava tão equipada, dirigindo-se a ele com as alegres palavras: “Aqui estou; se quiseres podemos ir direto à estação de trem”, alguma coisa se levantou, em atitude de defesa, dentro dele, opondo-se a essa maneira de ver alguém tomando posse de sua existência, sem mais nem menos; e ele se sentiu quase feliz ao chamar a atenção da moça para seus deveres de médico, que o obrigavam a ficar na cidade durante os próximos dias.”

Alegria de Baile: Raduan Nassar

abr
2012
22

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O escritor paulista Raduan Nassar é autor da obra-prima Lavoura Arcaica, que foi adaptada para o cinema por Luiz Fernando Carvalho. Meu romance preferido do autor é Um Copo de Cólera, onde retrata a difícil e intensa relação entre o narrador-personagem e seu envolvimento amoroso. Deixo, em homenagem ao domingo, um pequeno trecho do conto do autor Mãozinhas de Seda, publicado na coletânea Menina a Caminho (Cia das Letras, 2010). Um grande escritor que vale a pena conhecer!



“Nesse tempo, em Pindorama, mais precisamente a cada mês de setembro, sempre acontecia o Baile da Primavera. Era um baile a rigor, terno e gravata, vestidos longos, abrilhantado então pela orquestra de Jaboticabal, fartamente anunciada pela magia com que puxava o evento, empurrando bem longe os sonhos, pois carregava de sentimento suas valsas e boleros. Nesses setembros, os dias eram luminosos de cegar, o céu liso, “um céu de vidro” como se dizia, e a temperatura passava por amena na região, apesar de prenunciar o calorão dos meses imediatos. Era um tempo propício para tagarelar, principalmente nos finzinhos de tarde, depois da janta, quando as famílias traziam cadeiras para as calçadas, a que se juntavam vizinhos ou amigos.” (NASSAR, Raduan. Mãozinhas de Seda, in Menina a Caminho. São Paulo: Cia das Letras, 2010, pg. 79)

Shhhhh!

abr
2012
18

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Amigos queridos, o Ler para Contar está estudando. Voltamos no domingo, porque, excepcionalmente, trabalharemos todo o sábado em sala de aula. Um beijo e obrigada pela compreensão.



A Estampa da Rua: Athos Bulcão

abr
2012
17

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Nem só de Oscar Niemeyer vive a graça de Brasília. É possível encontrar diversas obras de Athos Bulcão espalhadas pelos edifícios e espaços  da cidade, tornando o seu trabalho acessível a todo o público, inclusive aquele que não frequenta museus e mostras de arte. É o artista do espaço urbano.




Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro no começo do século XX, foi aprendiz de Portinari, passou uma temporada em Paris, e ornamentou com suas estampas e padrões geométricos as obras arquitetônicas de Niemeyer, dando-lhes cor e movimento. Bom fim de terça!


Aqui no Brasília Palace Hotel, onde estou hospedada, há o lindo painel de azulejos que segue, criado por Athos Bulcão para o projeto de Niemeyer.



Brasília, Monumento

abr
2012
17

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Cheguei em Brasília às sete da noite, um ventinho fresco e uma chuva fina me dizendo olá. Da janela do avião, o pôr-do-sol mais bonito do mundo, em tons de rosa e amarelo queimado forte. A caminho do hotel, o táxi correndo, zigzagueando entre os carros, a visão da cidade-monumento. Brasília é organizada, luminosa e escultural Lá longe, um aceno para Dilma no Palácio da Alvorada, que são apenas colunas brancas dançando no horizonte. Cheguei com o coração do tamanho de um botão numa cidade que foi feita para acenar para o mundo.


Henri, um Maine Coon existencialista

abr
2012
16

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Como nosso tema de hoje é o amor aos felinos, decidi compartilhar uma brincadeirinha da internet encontrada por João Gabriel, meu amigo-irmão amante de gatos. Imagine um documentário sobre a vida de Henri, um gato existencialista francês. Os vídeos tratam da visão de Henri sobre sua vida e sobre a náusea, très Sartre.






Os vídeos associam um lindo Maine Coon preto (suposto muso-inspirador do célebre pôster Le Chat Noir de Toulouse-Lautrec), a trilha sonora de Eric Satie, e o pessimismo de um Camus. Você terá Henri, o gato deprimido. Para sorrir em plena segunda-feira de uma brincadeira inteligente.



Patricia Highsmith e o Amor de Gato

abr
2012
15

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Patricia Highsmith é autora de romances policiais como O Talentoso Ripley e Pacto Sinistro, ambos adaptados para o cinema. Numa visita rápida à livraria para tomar um café hoje, encontrei uma surpresinha escrita por ela escondida no expositor dos livros de bolso: o pequeno livro Os Gatos, formado por três historietas, três poemas e um ensaio sobre o amor aos felinos. Aparentemente Patricia era uma grande amante dos gatos e resolveu transformar esse amor em literatura. Como a relação entre gatos e livros é quase que necessária, recomendo a vocês o site Writers and Kitties, que tem uma coleção de fotos dos escritores com os seus bichanos. Um oferecimento ao Bobecito, meu persa fofo e literato.



“Gosto de gatos porque eles são elegantes e silenciosos, e têm efeito decorativo; uns leõezinhos razoavelmente dóceis, andando pela casa. (...)

Os gatos oferecem para o escritor algo que os humanos não conseguem: companhia que não é exigente nem intrometida, que é tão tranquila e em constante transformação quanto um mar plácido que mal se move.”

Cartier-Bresson: Na Lente, o Mundo

abr
2012
15

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Henri Cartier-Bresson já esteve aqui no blog várias vezes, emprestando suas lindas imagens para momentos de inspiração. Hoje vamos conhecê-lo um pouquinho melhor, descobrindo os prazeres da fotografia.




Bresson foi um fotógrafo francês nascido no começo do século XX, autor de icônicas imagens. Sua obra sintetiza o olhar sobre diversos cantos do globo e, principalmente, sobre o humano. Exímio fotógrafo do homem, em suas diversas relações com o outro e com o mundo, Cartier-Bresson consegue um resultado bastante vívido, simples, como se ele mesmo fosse parte da cena que está captando. Preso durante a Segunda Guerra Mundial, conseguiu fugir após algumas tentativas. Para escapar, enterrou uma máquina que foi resgatada anos depois, revelando imagens preciosas sobre o período do conflito.




Há ótimas publicações sobre a obra do Cartier-Bresson disponíveis no Brasil, em especial os livro À Propos de Paris, uma coleção de fotografias da cidade Luz, e o Tête à Tête, este voltado somente aos portraits. Bom domingo a todos!





P.S. Foi extremamente difícil escolher as imagens para o post, considerando o acervo imenso do fotógrafo. Escolhi algumas que sempre me fizeram ir além da foto e sonhar. Escolham as preferidas de vocês, também, e recorram a elas quando tudo parecer perdido.

Surpresas de Mudança: A Caixa de Oz

abr
2012
14

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Já me conformei com a ideia de que o escritório/biblioteca levará alguns meses para ficar pronto. Por isso, comecei a abrir as caixas de livros, dando chance para que os pobrezinhos respirem, fiquem acessíveis. Uma das caixas que abri tinha a coleção dos livros de Amós Oz, escritor israelense de maior prestígio no meio literário contemporâneo, autor de preciosidades como Meu Michell  e Pantera no Porão. Resolvi trazer para vocês a dica do meu romance preferido do autor: A Caixa Preta.




A história é a trajetória de um casamento mal sucedido, quando Ilana e Alex irão refazer o caminho de sua miséria amorosa. Trata-se de um romance epistolar – formato narrativo baseado em cartas. É impressionante como você consegue descobrir as nuances de cada personagem pelo seu estilo de escrever. A literatura de Amós é ótima para se conhecer um pouco mais a cultura judaica, tão distante do nosso meio cultural. Vale muito a leitura e não tem desculpa: a Cia das Letras publicou uma edição de bolso baratinha!




“Esperei pacientemente quase três meses, até que me aborreci com os olhares de cão faminto mas bem treinado que me lançava. Uma vez segurei a cabeça dele e o beijei numa rua estreita. Começamos a nos beijar de vez em quando, mas ele continuava com medo do meu encontro com a família dele, e da minha reação à sua religiosidade. Eu gostava da timidez dele. Tentei não apressá-lo. Depois de muitos meses, quando o frio do inverno transformou os nossos passeios num martírio, levei-o ao meu quarto, tirei suas roupas como se fosse uma criança e fechei seus braços ao meu redor.” (OZ, Amós. A Caixa Preta. São Paulo, 2007, Cia das Letras, pg. 91)

A Surpresa de um Blecaute: Moacyr Scliar

abr
2012
13

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Feliz dia do beijo!




“Tudo aconteceu, concluiu ela depois, porque era uma executiva dedicada, que não hesitava em ficar até altas horas da noite no escritório. Não era a única, naturalmente. Muitos faziam o mesmo, e isso também foi importante no incidente que viria a mudar sua vida.

Era muito tarde quando ela, finalmente, encerrou o trabalho. Com um suspiro, desligou o computador, arrumou-se um pouco, apagou as luzes, saiu e dirigiu-se devagar para o elevador. Não tinha motivos para pressa. Recém-descasada, ninguém esperava por ela no apartamento.

[...]

E foi nesse silêncio, nessa escuridão, que alguém a beijou. Foi surpreendente; tão surpreendente que ela não reagiu. Mas não só por causa da supresa. Por causa do beijo, também: um beijo tão ardente, tão apaixonado, que ela chegou a estremecer. Jamais alguém a beijara assim, jamais. Arrebatada, ela não teve, contudo, tempo de fazer nada, nem de esboçar um gesto sequer: no mesmo instante a porta se abriu e o vigia do prédio, com uma lanterna portátil, levou-os até as escadas”  (SCLIAR, Moacyr. O Beijo no Escuro, in: O Imaginário Cotidiano. São Paulo: Global, 2002, pg. 49).

Carlitos na Modernidade

abr
2012
12

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Ontem precisei ir a um cartório autenticar documentos, o que me parece a tarefa mais absurdamente kafkiana que pode haver. Entre carimbos e filas de espera, uma grande tela de LCD exibia o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin. Assisti durante alguns minutos à saga do pobre personagem na linha de montagem da fábrica, ora apertando, ora afrouxando, incessantemente, num trabalho sem qualquer sentido em si mesmo. Neste filme, é possível perceber os efeitos da Revolução Industrial sobre a saúde física e mental dos operários e sobre o quanto a nossa vida de trabalhadores pode ser massacrante. Pensei na ironia que foi o cartório ter decidido exibir aquele filme, numa parede atrás de sua fila de funcionários-carimbadores, trabalhando, todos, para um propósito absolutamente inexistente. Enfim, por mais clichê que seja, é a vida imitando a arte.


Arco-Íris de Haruo Ohara

abr
2012
12

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Que vontade de viver!


Uma Cinderela às Avessas: An Education

abr
2012
11

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Imagine que você é uma jovem de classe média, cuja família sempre procurou oferecer a melhor educação possível a fim de que você pudesse entrar numa universidade europeia de prestígio, no caso, Oxford. Você tira as melhores notas, frequenta concertos, toma aulas de música, entende razoavelmente de história da arte. Sua rotina é, basicamente, estudar e ouvir músicas de Juliette Gréco escondida no quarto (porque seu pai as considera vulgares e prefere que você escute Bach). Você conhece um homem mais velho, charmoso, que a apresenta a uma vida de diversões e experiências novas: um clube de jazz, uma viagem à Paris, a possibilidade de deixar aquela vida difícil de estudo para trás e simplesmente viver. “Eu não tinha ideia de como a vida era entediante antes de você” é como a protagonista do filme Educação (An Education) define a história. Lançado em 2009, o filme de Lone Scherfig estrelado por Carey Mulligan se passa na Inglaterra da década de 60 do século XX. Afinal, a escolha entre “ir à Paris se divertir” ou “fazer algo entediante e muito difícil” de fato existe para nós, moças de classe média? Assisti ao filme em São Paulo, quando estava cumprindo os créditos do doutorado e senti todo o conflito de Jenny entre o ar puro e o ar da biblioteca. Vale a pena assistir!


Cronicando: Ignácio Brandão

abr
2012
11

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"Tudo naquela tarde reascendia ao perfume quase obsceno, de tanto que provocava os desejos, de uma leitoa à pururuca com abacaxi que se derreteu na boca, carne de panela, tutu de feijão, frango com quiabo, batata doce, banana frita. O aroma das comidas foi proustiano, passado e presente, hoje e ontem, futuro, todos os tempos misturados. Vieram todos e também os mortos, lembrados aos risos, porque a maioria da família sempre foi de farpas pontiagudas, ironias e gozações, de tirar o pelo dos outros com afeto, cheios de sarcasmos e brincadeiras, respostas prontas. Tudo isso que a literatura me tem proporcionado fazendo com que eu me renove sempre, me encontre no ontem, me projete para o amanhã, correndo para o futuro. Voltei no avião com pão feito em casa e geléia de laranja, também caseira." (Ignácio de Loyola Brandão, O Perfume de um Almoço em Vera Cruz, 5.11.10, Jornal O Estado de São Paulo)

Eternamente Jovem: Leminski

abr
2012
10

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“Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri:
Antigamente eu era eterno.”


Paulo Leminski


 

Clássicos na Maturidade: Dica

abr
2012
10

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Hoje o professor mais querido do meio jurídico cearense, amigo que tornou possível o Ler para Contar quando eu não sabia o que era um template, publicou um post no seu blog que vale a visita: uma análise sobre a importância dos clássicos e sobre o melhor momento para lê-los, inspirado no texto de Italo Calvino, "Por que ler os clássicos?". Corre lá n' O Jardim do professor Raul Nepomuceno!




P.S. Essa foto é do Italo Calvino, e não do professor Raul! :)

Zazen: O Silêncio Interior

abr
2012
09

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Todos nós somos constituídos de desejo. Seres desejantes, movidos pela insatisfação. Na filosofia budista, a vida é encarada como sofrimento permanente motivado pela  perda, a frustração constante. O caminho da iluminação consiste na progressiva libertação do desejo. Budistas ou não, temos algumas lições a aprender com os monges orientais. Um olhar sobre a impermanência da vida e sobre a necessidade de recolhimento espiritual são duas delas.


Para encontrar um lugar mental de tranquilidade e iluminação, os budistas praticam a técnica meditativa do zazen. É bastante simples e não tem qualquer conteúdo religioso por si só: senta-se sobre uma almofada numa posição confortável, fecha-se os olhos, deixando os pensamentos transcorrerem livremente, a respiração relaxada. Nas primeiras vezes, a posição vai trazer ansiedade e inquietação porque você não vai conseguir se desprender de imediato da vida lá fora, mas não se deve tentar chegar ao silêncio numa tentativa inicial. O objetivo da meditação é se tornar um hábito diário, através do qual se constrói a disciplina e o estado de silêncio em que é possível encontrar a paz. E quem não precisa de paz para pensar com clareza neste mundo de desordem e ruído?

O Não-Diálogo do Amor: Neruda

abr
2012
09

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Muitos poemas tiveram por tema a incompreensão espiritual entre os amantes, sendo célebre o texto Arte de Amar de Manuel Bandeira, cujo verso “porque os corpos se entendem, mas as almas não” é icônico. Vejamos o que o nosso amantíssimo Neruda tem a falar sobre isso.



Quero Saber
Pablo Neruda

Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender.

Revistaria: Vida Simples

abr
2012
08

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Domingo pode ser dia de ler revista. Leitura leve, em pequenas doses, com texto claro, direto e fácil. Embora a opção seja imensa, é difícil achar uma publicação que tenha um conteúdo sério, interessante, sem perder a leveza que uma revista precisa ter. Eu gosto muito de ler a Vida Simples, despretensiosa, bem cuidada e muito filosófica.


Mas não é para assustar. A filosofia da Vida Simples é uma espécie de filosofia doméstica. Explico: um olhar mais reflexivo sobre temas como insatisfação, angústia, desmotivação, amor, etc. Uma boa oportunidade para pensar sobre o que te deixa sempre insatisfeito, ou infeliz, o que te faz amar ou desamar, enfim, um convite ao nosso mundo interno. O texto é ótimo, muito didático, sem academicismos e o melhor são as boas referências utilizadas como base para discussão no artigo – de Aristóteles ao Habermas. Vale conhecer!


Os artigos não são apenas sobre questões abstratas, havendo seções sobre culinária, arte, noticiário, etc. Revista boa pra ter na bolsa, para levar à praia, naquele avião demorado, na sala de espera do oftalmologista, em qualquer lugar. E o projeto gráfico é excelente, bem minimalista, valorizando o texto e a fotografia.






Para manter vivo o hábito de ler!

"Quem não tem casa sua, anda sempre na rua"

abr
2012
07

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Um dos direitos fundamentais sociais previstos na constituição é a moradia. Como muitos valores jurídicos, só compreendi perfeitamente o direito quando pude satisfazê-lo. Ontem, durante um almoço de páscoa, ouvi alguém comentar que resolveu se desfazer do seu imóvel para investir na atividade profissional – uma estratégia inteligente, segundo demonstrou o administrador. Eu fiquei pensando com os meus botões que o meu funcionamento é, nesse aspecto, bem “pequeno burguês”. Casa própria, filho na escola, férias com o marido. Isso porque meus objetivos profissionais só exigem de mim tempo de concentração, escrita, construção. E para construir, é preciso paz e silêncio. Ter uma casa é garantia de um lugar de repouso. Pude perceber qual é a importância da moradia para a dignidade:  a segurança, a tranquilidade, a certeza de que aquele quadradinho ali é seu. Se você tem muito dinheiro, ou se ambiciona ganhá-lo, realmente um quadradinho assim para chamar de seu é algo bobo, pueril, porque seu objetivo é a multiplicação dos quadradinhos. Mas me deixe com o meu pensamento pequeno em relação às coisas do mundo, para que eu possa voar em espírito e ideia. Bom sábado a todos vocês. :)

Paredes novas, cores novas

abr
2012
05

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Hoje passei o dia em função da mudança de casa. Desmontando o antigo apartamento e colocando tudo em seu lugar no novo. Um trabalhão sem tamanho que esgota a energia do corpo e nos deixa totalmente voltados à materialidade da vida: ter onde dormir, o que vestir, saber onde está o sabonete para tomar um banho. Os livros estão todos encaixotados,  os autores arfantes, esperando pela alma boa que me ajudará a dispô-los de forma a que possa encontrar as obras facilmente. O que poderia eu trazer a vocês em meio a tanta desorganização? Só o Lautrec que colocarei na parede do quarto, uma representação de Cha-U-Kao, uma persona do meio artístico francês da Belle Époque. Essa saia amarelo-ouro é um deleite! Bom feriado a todos.



Gabriel não discursa, ensina

abr
2012
04

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Quão chato pode ser um discurso? Agora imagine que o discurso é a palavra viva de Gabriel García Márquez, seu olhar sobre a vida, sobre a literatura, sobre a amizade, pequenas lições de grandeza espiritual deste que é um papa da fantasia literária. A obra Eu não vim fazer um discurso (Record) reúne uma série de discursos proferidos por Gabo ao longo de sua vida, com uma ligeira explicação sobre cada um deles. Pra ler e gostar do começo ao fim (e aprender a fazer um discurso sem chatear)!





Num dia como o de hoje, meu mestre William Faulkner disse neste mesmo lugar: "Eu me nego a admitir o fim do homem". Não me sentiria digno de ocupar este lugar que foi dele se não tivesse a consciência plena de que, pela primeira vez desde as origens da humanidade, o desastre colossal que ele se negava a admitir há 32 anos é, hoje, nada mais que uma simples realidade científica. Diante desta realidade assombrosa, que através de todo o tempo humano deve ter parecido uma utopia, nós, os inventores de fábulas que acreditamos em tudo, nos sentimos no direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde para nos lançarmos na criação da utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer, onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, enfim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra. ( Gabriel García Márquez, Estocolmo, 8/12/1982)

Alegria Country: Johnny Cash e June Carter

abr
2012
03

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Vi a Florence Welsh cantando a música e pensei em trazer o Johnny Cash e a June Carter, em pessoa e charme, para cantar para nós.  Música para ouvir a toda altura no carro. Hoje tive o dia mais cansativo do ano. Prometo algo literário para amanhã. Let's mess around!




Jackson


We got married in a fever, hotter than a pepper sprout,
We've been talkin' 'bout Jackson, ever since the fire went out.
I'm goin' to Jackson, I'm gonna mess around,
Yeah, I'm goin' to Jackson,
Look out Jackson town.

Well, go on down to Jackson; go ahead and wreck your health.
Go play your hand you big-talkin' man, make a big fool of yourself,
You're goin' to Jackson; go comb your hair!
Honey, I'm gonna snowball Jackson.
See if I care.

When I breeze into that city, people gonna stoop and bow. (Hah!)
All them women gonna make me, teach 'em what they don't know how,
I'm goin' to Jackson, you turn-a loose-a my coat.
'Cos I'm goin' to Jackson.
"Goodbye," that's all she wrote.


But they'll laugh at you in Jackson, and I'll be dancin' on a Pony Keg.
They'll lead you 'round town like a scalded hound,
With your tail tucked between your legs,
You're goin' to Jackson, you big-talkin' man.
And I'll be waitin' in Jackson, behind my Jaypan Fan,

Well now, we got married in a fever, hotter than a pepper Sprout,
We've been talkin' 'bout Jackson, ever since the fire went out.
I'm goin' to Jackson, and that's a fact.
Yeah, we're goin' to Jackson, ain't never comin' back.

Well, we got married in a fever, hotter than a pepper sprout'
And we've been talkin' 'bout Jackson, ever since the fire went...

Reflexão de Segunda: Gritaria Diária

abr
2012
02

on

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Imagine que você tirou o domingo para descansar: assistiu aos jogos do campeonato inglês, atualizou o Facebook, preparou um post para o blog, navegou na internet, almoçou com amigos, visitou seus pais, penteou o pelo do gato, enfim, domingou. Ao final do dia, você se sente exausto, implora pela chegada da segunda-feira com sua rotina previsível, os intervalos do dia já conhecidos, a tranquilidade da repetição. Por que nos sentimos, afinal, tão cansados, tão esgotados e sem energia mesmo nos dias em que não precisamos fazer nada?


Há tempos que venho refletindo sobre essa sensação geral de fadiga que me persegue. E não se diga que é falta de atividade física, porque Plauto Holanda está aí para me fazer correr, pular, levantar pesos, pensar sobre a imponderabilidade de uma máquina de musculação. Estamos invariavelmente cansados não por questões físicas ou alimentares, mas mentais. Isso porque a vida, hoje, nos exige uma atenção dispersa, multifacetada: estamos incessantemente sendo exigidos em nossa capacidade de filtrar informações, produzir conteúdo, administrar a vida, quando a vida nos exige um passo de cada vez, uma atividade a seu tempo. Não conseguimos deixar o aparelho de lado se ouvimos o som da notificação, é mais forte do que nós saber o que  publicaram. Pela manhã, cedinho, estava conversando com o professor Tiago sobre uma experiência interessante: um renomado pesquisador de design gráfico foi convidado para proferir uma palestra e bateu uma foto de seu auditório – a grande maioria dos ouvintes (?) estava com a atenção voltada aos iPads, iPhones e afins. Para onde está, afinal, voltada a nossa energia?


Façam um exercício de recolhimento e me digam o efeito disso sobre a semana de vocês: trinta minutos diários de nada, de silêncio, de solidão, de vazio. Só para respirar fundo e estar consigo – sem as incontáveis vozes que os computadores e celulares nos impõem. Enfim, um pouco de paz. Paz para ler, paz para aproveitar o som da literatura. E se vocês não têm trinta minutos no dia para dedicar a uma atenção integral a si, então estamos, sim, gravemente doentes. Boa segunda para vocês!