Afinal, pode o leitor descompromissado ser guiado? O leitor descompromissado é aquele que tem a literatura não por profissão, mas por deleite estético, por passatempo, por hobby, por prazer. É aquele que não está obrigado a ler e, se o faz, busca alguma forma de crescimento (ainda que o simples passar do tempo) espiritual. Esse leitor específico pode ser guiado no seu contato com a literatura?
Vamos imaginar o leitor estudante (a literatura que se lê na escola) ou o leitor profissional (o crítico, o escritor, o pesquisador). Esses, por princípio, têm contato com a literatura a partir de um método de análise específico, definido a partir do objetivo a ser atingido: se quero associar o movimento histórico do barroco ao que se produziu na época, o essencial é ir a autores específicos como Gregório de Matos, por exemplo. Se pretendo pesquisar a gênese do processo criativo de Mário de Andrade, a minha leitura de Macunaíma será rigorosamente delimitada pela análise de sua criação – influências, referências, comparações. O leitor compromissado não só precisa, como deve ser guiado para que o resultado final, seja o aprendizado, ou a produção científica, sejam bem sucedidos.
O leitor por prazer pode se dar ao luxo de não ter limites: pode ler quando e se quiser, o que quiser, no ritmo que desejar. No mais das vezes, a escolha do caminho da leitura, a sequência dos textos, a própria pausa entre uma obra e outra, é algo penoso. Para esse leitor, um guia de leitura pode ser uma boa saída. Uma boa indicação para a literatura estrangeira é o Harold Bloom, crítico literário autor do bom Como e Por que Ler. Nessa obra, Bloom chama atenção para romances, peças teatrais e poemas canônicos da literatura universal, ressaltando aspectos biográficos e estilísticos dos autores que podem tornar a leitura mais profunda (e mais atrativa). Se o objetivo é tornar a literatura um hábito diário, algo sistemático, prazeroso e edificante, acho que o acesso (comedido) aos críticos pode ser uma boa saída, desde que compreenda essa verdade: no espaço entre o leitor e o livro, não existem limitações ou regras de comportamentos. Leitor, revolte-se!
“Uma das funções da leitura é nos preparar para uma transformação, e a transformação final tem caráter universal”
Harold Bloom
Creio que a função do crítico seja também essa, ajudar o leitor descompromissado a sair da zona de conforto e tentar algumas leituras mais densas, entre Stephenie Meyer e Paulo Coelho colocar um Saramago, Graciliano Ramos ou Tolstói.
Bloom pode até ser um chato, mas um americano que coloca Machado de Assis entre os 100 maiores gênios da literatura mundial merece todo o meu respeito.
Quanto a mim, sou um leitor ora descompromissado, ora compromissado. Já fiz os cálculos e vi que não vai dar tempo ler tudo o que eu gostaria de ler, nem que eu viva uma vida longa e saudável.
Assim, tenho de organizar a leitura e não posso perder tempo com livros que eu tenho quase certeza que não vão me trazer nada de significativo - nem bom entretenimento -, além do que tenho muitos e muitos livros canônicos para ler, que são meio que "obrigatórios" para mim, o que me torna um leitor semi-compromissado.
Natan, o crítico pode nos ajudar a conhecer autores novos e bons, e, principalmente, nos ajudar a educar a leitura para a percepção de estilo, riquezas que nós não atentaríamos sem a atenção devida. Mas eles não têm (longe disso) a última palavra sobre o que é boa literatura. Valeu a visita!
Raulito, também fiquei feliz com a referência ao Machado, embora ache que outros pudessem ter sido lembrados também. Você é um leitor compromissadíssimo: cheio de metas, métodos, regras. Não consigo imaginar outro padrão de compromisso. O leitor descompromissado é aquele que não precisa nem se preocupar com a literatura que existe e nunca será lida em vida. ;) Obrigada por vir aqui comentar, me sinto só sem comentários. Hehehehe
Assim sendo, Professora Julie, eu me rendo e confesso.
Já li livros com metas de número de páginas que eu tinha de ler por dia. hehehehe
Mi perdoni?