Saramago Cronista: A Bagagem do Viajante


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Saramago também foi cronista, deixo um trecho de “Natalmente crónica” (assim mesmo, à portuguesa):


“Vai o ano correndo manso entre noites e dias, entre nuvens e sol, e quando mal nos precatamos, chegamos ao fim, e  é natal. Para incréus empedernidos como eu sou, o caso não tem assim tanta importância: é mais uma das trezentas mil datas assinaladas de que se servem inteligentemente as religiões para aferventar crenças que no passar do tempo se tornariam letra morta e água chilra. Mas o natal (tal como as primeiras andorinhas, o carnaval, o começo das aulas, e outras efemérides do estilo) está sempre à coca da atenção ou da penúeria do cronista, para que se repitam, pela bilionésima vez na história da imprensa, as banalidades da ocasião: a paz na terra, os homens de boa vontade, a família, o bolo-rei, a mensagem evangélica, o ramo de azevinho, o Menino Jesus nas palhinhas, etc., etc. E o cronista, que no fundo é um pobre diabo a quem às vezes falta o assunto, não resiste à conspiração sentimental da quadra, e bota a fala de circunstância”
José Saramago, A Bagagem do Viajante, Cia das Letras, 2006, pg. 95