Hoje, durante a aula sobre reforma agrária, conversamos sobre o dispositivo normativo que sanciona as invasões violentas de terra com a impossibilidade de desapropriação da propriedade. E o que isso tem com a literatura? Entramos numa discussão interessante sobre criminalização de movimentos sociais, orientação ideológica e ética. Será que todo conservador defende necessariamente idéias equivocadas? A esquerda é sempre vanguardista? É justo defender o assassinato como meio para alcançar uma causa? É sobre esses questionamentos que podemos refletir com a leitura da obra Os Justos (Les Justes), de Albert Camus, conhecido existencialista francês, célebre por O Estrangeiro.
Na obra - uma peça teatral - um grupo revolucionário se vê diante da impossibilidade de ação daquele que seria o responsável por um atentado terrorista. Confrontando com a presença de crianças, que acompanhavam o alvo no carro, ele simplesmente foi incapaz de agir. Ele agiu corretamente ou foi covarde? Maquiavel não está morto, o que nos faz refletir se, também na política, o mandamento de não usar o outro como um meio permanece exigível. O debate é riquíssimo, vale a pena dar uma lida, afinal nem só de suspiros e romances vive um literato.
P.S. Numa pesquisa rápida, descobri que, infelizmente, não há traduções disponíveis nas livrarias no Brasil para a obra. Os interessados podem ler direto do original em francês (recomendo as edições Gallimard) ou ir à tradução para o espanhol, publicada pela Alianza Editorial. Como a obra é centrada nos diálogos, não exige um conhecimento mais rebuscado da língua. Em Portugal, foi publicada uma tradução cujo título é Os Possessos, o que me leva a pensar que possesso estava o tradutor. E sempre existem as bibliotecas!
Não conheço esse livro, Julie, mas tem um outro livro de Camus muito bom chamado "O homem revoltado" (nem li todo ainda), que estabelece uma crítica direta aos revolucionários que recorrem ao assassinato para promover uma causa ou manifestar revolta.
Aliás, reza a lenda que foi este livro que fez Sartre romper com ele.
A reflexão que você propõe é muito interessante. Eu mesmo não acredito em "pessoas extraordinárias", como dizia Raskólnikov ao referir-se a Napoleão Bonaparte ou outro revolucionário assassino-pop qualquer, que pretensamente estariam além do bem e do mal, produzindo cadáveres em alto nível ideológico.
P.S. Impressão minha ou quando você pergunta "será que todo conservador defende idéias equivocadas?" e "será que a esquerda é de vanguardista?", você sugere que a "vanguarda" é boa e o "conservadorismo" é ruim?
P.S. 2 Obrigado pelas dicas de leitura e pelas pequenas doses de literatura que você acrescenta à vida dos que, como eu, são seus seguidores.
Raul, não conheço o livro que você mencionou, mas vou procurar ler o mais rápido possível. Quando associei o conservadorismo a algo ruim e vanguardismo a algo bom fiz de propósito, porque habitualmente essa relação é feita no discurso político, associando-se esquerda a algo progressista e conservadorismo a algo sempre negativo. Quis chamar atenção para o fato de que, a princípio, nem esquerda, nem direita, nem vanguarda, nem conservadorismo são ruins, a depender do conteúdo da ideia defendida.
Quanto ao agradecimento, sou eu que tenho a agradecer a sua leitura atenta, diária e, claro, todas as dicas sobre layout, domínios, etc. Obrigada por tudo. :)
"não sei como agradecer a sua amizade, Fernando"
;)
Essa temática também é abordada no Por quem os sinos dobram, explodir uma ponte pela causa, sem se importar com o que aconteceria com as pessoas que seriam afetadas.
A discussão ética é interessantíssima, embora me embarece. Minha orientação mais esquerdista se torna mais "esotérica" que racional. Mas imagino que o objeitvo seja esse, se angustiar, sair da zona de conforto.
o blog é interessante, voltarei mais vezes.
Natan, é um prazer tê-lo como leitor e aluno. Sua participação enriqueceu muito a nossa aula de hoje. O que é uma orientação esotérica? Essa eu preciso conhecer. Abraço!
Tomei emprestada do Willis Santiago Guerra Filho, ele usa para designar o apreço que se tem pela constituição no direito constitucional estadunidense, em razão da crença nos pais fundadores. Eu a usei no sentido de crença em termos quase religiosos, dogmática.
Faz tempo que li, mas não me deixou uma forte impressão.
Pelo menos, não tão grande quanto A Peste, o meu favorito dele.