Amor e Loucura: Almodóvar e Livia Garcia-Roza


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Ontem assisti ao filme do Almodóvar (A Pele que Habito) em São Paulo e fiquei muito impressionada, para não dizer perturbada. Robert é um cirurgião plástico milionário que perde a esposa tragicamente, num acidente de carro, carbonizada. Desde a perda da mulher, ele passa a nutrir a obsessão de criar uma pele artificial resistente ao fogo e, para alcançar o seu objetivo, utiliza a doce e submissa Vera como cobaia, a qual mantém no cárcere.
Não vou revelar detalhes da história que fariam o filme perder o encanto, porque o desfecho é realmente surpreendente, mas a relação de Robert com Vera é uma relação diferente de tudo que se pode imaginar, não apenas pela obsessão dele, mas pela natureza do vínculo que os uniu e que os mantém unidos – ainda que contra a vontade dela.
A “construção” de Vera me remeteu à discussão sobre o feminino. Afinal, o que faz o feminino? Por que a feminilidade de Vera não poderia ser construída da forma como Robert tanto buscou, à maneira de um Pigmaleão pós-moderno, afogado no laboratório e nos estudos sobre transgênese? No livro “Solo Feminino: Amor e Desacerto”, a escritora Livia Garcia-Roza tematiza as angústias do gênero de forma magistral, a partir dos insucessos amorosos da personagem principal, Gilda. Gilda – como não lembrar de Rita Hayworth linda, magnífica, naquele longo preto de seda? – é uma mulher estonteante, que vive sucessivos fracassos sexuais e amorosos: de algum modo, todos os homens que aparecem na vida de Gilda se revelam insuficientes e o sofrimento central da personagem é lidar com a necessidade de se fazer mulher através da alteridade masculina (afinal, o que faz Gilda fantasiar com o asqueroso chefe, seu Evaristo?). É um livro maravilhoso, com um estilo narrativo seco, direto, bom de ler como tudo que ela escreve. Deixo-os com umas linhas, só para estimular o apetite literário (a editora que o publicou é a Record).
Estava em lágrimas, montada na pia do banheiro, arrancando as sobrancelhas no espelho, quando o telefone tocou e uma mulher, dizendo-se amiga de uma amiga, queria falar com Gilda. Falei que era eu mesma (tenho voz de trombone, desde criança). Ela então contou que tinha perdido o marido e gostaria de entrar em contato com todas as pessoas que o conheceram, e eu era uma delas, se poderíamos nos encontrar...” (GARCIA-ROZA, Livia)


                                                                                                          Ju Diniz

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  1. Paulo