Simone de Beauvoir e as Desilusões Femininas


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Escrevo este post com a urgência que uma leitura perturbadora provoca na alma da gente. Ontem, fui à livraria no começo da noite para tomar um café e acabei comprando, despretensiosamente, um livro da Simone Beauvoir que estava exposto, chamado A Mulher Desiludida. Nunca havia lido nada da autora francesa, companheira de Jean-Paul Sartre e ídolo-maior do movimento feminista e foi uma grande e boa surpresa!




Na obra, tem-se três contos: A Idade da Discrição, Monólogo e A Mulher Desiludida. Li num sopro: não consegui largar o livro até concluir o último conto,  motivo maior da minha perturbação. O texto, escrito na forma de diário, narra o profundo sofrimento mental de Monique, provocado pela infidelidade do marido: após descobrir que é traída, Monique decide aceitar o caso de Maurice, passando a dividir o tempo e as atenções com a figura de Noëllie, uma mulher mais jovem, bonita, bem sucedida, o inferno. As páginas avançam à medida que Monique perde seu eixo, e é devastador perceber como a obsessão e a falta de amor próprio fazem da personagem um farrapo humano. Simone de Beauvoir afirmou que não pretendeu, com esses textos, construir qualquer lição de moral, mas deve-se reconhecer que a autora apresenta um retrato ácido e muito vívido sobre o que é a traição quando vivida pelo feminino. Perturbador, mas vale a leitura.





É preciso que me habitue. Sentei-me diante da mesa. Estou sentada. E olho essas duas portas: o escritório de Maurice, nosso quarto. Fechadas. Uma porta fechada, qualquer coisa me espreita, atrás. Ela não se abrirá se eu não me mexer. Não me mexer. Jamais. Parar o tempo e a vida. Mas eu sei que me mexerei. A porta se abrirá lentamente e eu verei o que há atrás da porta. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente. Implacavelmente. Estou no limiar. Só existe esta porta e o que me espreta atrás dela. Tenho medo. E não posso pedir socorro a ninguém.

Tenho medo.”
(SIMONE DE BEAUVOIR, A Mulher Desiludida, Editora Nova Fronteira, 2010, pg.254)

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