Archive for julho 2012

Outono da Alma: Pablo Neruda

jul
2012
31

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Quando tudo parece perdido, apenas o  poeta chileno Pablo Neruda pode nos salvar!  Lindo poema retirado da obra Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada. Boa terça-feira a todos.




Recordo-te como eras no derradeiro outono.

Eras a boina gris e o coração em calma.

Nos teus olhos lutavam as chamas do crepúsculo.

E caíam as folhas em água de tua alma.



Aos meus braços colada qual uma trepadeira,

as folhas recolhiam tua voz úmida e em calma.

Oh fogueira de pasmo em que ardeu minha sede.

Doce jacinto azul torcido na minha alma.



Sinto o viajar dos olhos teus e é longe o outono:

boina gris, voz de pássaro e coração de casa,

para onde emigravam meus profundos anseios

e caíam meus beijos alegres como brasas.



Céu, visto de um navio. Campo, visto do monte.

Tua lembrança é de luz, de fumo e lago em calma!

No fundo de teus olhos ardiam os crepúsculos.

Folhas secas de outono giravam na tua alma.

Sobre o Amor: A Escrita de Ana Maria Machado

jul
2012
30

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Hoje segue a dica de um livro bem açucarado sobre o amor: o romance Para Sempre, da escritora Ana Maria Machado. Não que a história seja como um conto de fadas ou uma propaganda de margarina, mas é uma visão muito bonita, madura e feminina sobre o amor e suas transformações. Um bom começo de semana a todos!




“Por outro lado, porém, acontecia uma coisa um pouco esquisita: Zezé fazia Ewerton se lembrar da mãe e das irmãs lá no vale do Itajaí. Não que fossem parecidas, impossível haver dois tipos de mulher tão diferentes – no colorido, no jeito de andar, no modo de falar. Mas tinha que reconhecer que todas elas lhe passavam a mesma impressão de força capaz de aguentar tudo, ao mesmo tempo misturada com uma delicadeza frágil de quem devia ser poupada de qualquer dificuldade maior. Uma coisa diferente, que dava vontade de respeitar, de tomar conta, não deixar nada de ruim acontecer, nunca. Junto com a certeza de que ao lado delas estaria protegido, seguro, bem-cuidado. Para sempre.” (MACHADO, Ana Maria. Para Sempre, Alfaguara, 2011, pg. 40)

Grávido de Ideias: Campos de Carvalho

jul
2012
26

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Pessoas mais introspectivas, envolvidas com trabalho intelectual ou não, estão sempre precisando de tempo para o ócio: oportunidades para ficar à toa, olhando para o teto, ir ao cinema ver um bom filme, ler um livro por prazer, tomar um café no fim de tarde, exercícios de autoconhecimento e tempo para ouvir os próprios pensamentos. O texto que trago hoje, de autoria do escritor mineiro Campos de Carvalho, escrito por ocasião de sua viagem a Londres, traduz com primor literário a importância desses momentos do eu-sozinho. Boa quinta-feira!




“Quando empreendi esta viagem, sentia-me, no mínimo, um novo Colombo um pouco mais céptico, sem dúvida: e esperava encontrar mundos novos no Velho Mundo ou pelo menos um simulacro deles, algo como uma miragem que me fizesse esquecer de mim mesmo – e de meus oito ou nove anos de silêncio. Aqui estou, nu como vim, apenas seis meses mais velho e nu – mas algo me dizendo que sob a minha nudez estou grávido de mil coisas e (o que é mais importante) que já estava grávido quando aqui cheguei e muito antes de ter sequer sonhado em romper com o meu passado. Vim aqui ver, e não vi, o que só podia estar dentro de mim e não em qualquer geografia: a face oculta do sol e de todas as luas, o outro lado do espelho e o rio subterrâneo que corre sob cada rio: a palavra mágica e insabida que um dia, sem querer, proferirei e me revelará mais do que a própria Morte: o ovo de pássaro que mesmo o mais deserdado de nós traz nas suas entranhas, e que no artista se chama intuição, gênio, loucura ou simplesmente alma”. (CARVALHO, Campos de. Cartas de Viagem e Outras Crônicas, José Olympio Editora, 2006, pg. 24)

Alunos Eternos: Portal Veduca

jul
2012
25

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Que tal começar o dia ouvindo as palavras do Dalai Lama proferidas em discurso na Universidade de Stanford? Essa dica é para os que desejam aproveitar melhor o tempo que dedicam à internet: o Portal Veduca reúne, com acesso gratuito, aulas ministradas nas universidades americanas mais celebradas, como Harvard, Yale e Berkeley.  Você pode escolher que aula assistir por Universidade e área do conhecimento. Das ciências naturais às humanas, é possível ter acesso a conteúdos de alto nível no conforto da sua escrivaninha. A maior parte já conta com legendas em português para quem tem dificuldade com o inglês. Para os que gostam de filosofia, aqui o link para a aula 1 do curso “A Morte: Questões Morais e Filosóficas”, ministrado por Shelly Kagan em Yale. Boa aula!



Fonte: catracalivre.folha.uol.com.br

O Dourado de Van Gogh

jul
2012
24

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Todos merecemos descansar. Vamos nos inspirar no belíssimo quadro de Van Gogh para esses últimos suspiros de férias.


A Voz Poética de Benedetti

jul
2012
23

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Estados de Ânimo



Mario Benedetti



Umas vezes me sinto

como pobre colina

e outras como montanha

de cumes repetidos



umas vezes me sinto

como um precipício

e em outras como um céu

azul mas distantes



às vezes a gente é

um manancial entre rochas

e outras vezes árvore

com as últimas folhas



mas hoje me sinto apenas

como lagoa insone

com um embarcadouro

já sem embarcações


Música da Solidão: Rilke

jul
2012
22

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Neste domingo de sol forte, na cidade onde todos parecem estar empenhados em produzir ruídos, deixo as belas palavras de Rainer Maria Rilke sobre a arte de estar sozinho.




“Não importa se é a cantiga de uma lâmpada ou a voz da tempestade, a respiração da noite ou o gemido do mar que o cerca, sempre vigia atrás de você uma vasta melodia, tecida de milhares de vozes, em que apenas de vez em quando há espaço para seu solo. Saber quando é sua vez de cantar, esse é o segredo de sua solidão, como é a arte da verdadeira interação: deixar-se cair das palavras imponentes para entrar na melodia única, compartilhada”. (RILKE, Rainer Maria. Cartas do Poeta sobre a Vida, Martins Fontes, 2007, pg. 140)

A Solidão do Ser Amado: Benedetti

jul
2012
20

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Desculpem-me a longa ausência. Dias de dispersão intelectual. Deixo-os com um trecho do conto Terapia de Solidão do magnífico  Mario Benedetti sobre a importância do isolamento, do recolhimento e de compreensão. Bom final de semana!




“Meu querido: Aqui estou eu, na minha ilha, que não é exatamente uma ilha, já que não está cercada pelo mar e sim pela vegetação, pelas árvores, pelo pampa propriamente dito. Mas é uma ilha no sentido espiritual. Embora também não seja isso, já que estou cercada por distantes presenças e próximas ausências, pela lembrança dos outros e pelo fluxo da minha própria memória. Parece complicado? Pode ser. Você bem sabe que já fazia algum tempo precisava me isolar, ir em busca da solidão perdida (Marcel Proust velho de guerra!). Felizmente você me entendeu, e confesso que essa compreensão aumentou meu amor (e também meu respeito) por você. Estou convencida de que o respeito pela solidão do ser amado é uma das formas menos frequentes porém mais verdadeiras de amor, não acha?” (BENEDETTI, Mario. Terapia de Solidão, in Correio do Tempo, Alfaguara, 2007, pg. 105)

Da Arte ao Espetáculo: Vargas LLosa e a Cultura

jul
2012
16

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Quanto tempo você dedica ao seu crescimento cultural? O que você gosta de ler, assistir, ouvir? O quanto a sua leitura é importante para a construção do que você é?  O sofrido ou o trabalhoso não convêm? Para refletir sobre essas perguntas, trago hoje em tradução livre um trecho da obra A Civilização do Espetáculo, de autoria de Mario Vargas Llosa, publicado pela Alfaguara. A obra pretende analisar como a cultura vem sendo paulatinamente destruída pelo que ele denomina entretenimento de massa. Um ensaio lúcido sobre o que é cultura e qual sua importância para a humanização do homem.




“A diferença essencial entre a cultura do passado e o entretenimento de hoje é que os produtos daquela pretendiam transcender o tempo presente, durar, seguir vivos nas gerações futuras, enquanto que os produtos deste são fabricados para ser consumidos no instante e desaparecer, como os biscoitos ou a pipoca. Tolstói, Thomas Mann, Joyce e Faulkner escreviam livros que pretendiam derrotar a morte, sobreviver aos seus autores, seguir atraindo e fascinando leitores nos tempos futuros. As novelas brasileiras e os filmes de Bolywood, como os shows da Shakira, não pretendem durar mais que o tempo de sua apresentação e desaparecer para deixar espaço a outros produtos igualmente exitosos e efêmeros. A cultura é diversão e o que não é divertido não é cultura”. (LLOSA, Mario Vargas. La Civilización del espectáculo. Alfaguara, Buenos Aires, 2012, pg. 31)

Simone de Beauvoir e as Desilusões Femininas

jul
2012
15

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Escrevo este post com a urgência que uma leitura perturbadora provoca na alma da gente. Ontem, fui à livraria no começo da noite para tomar um café e acabei comprando, despretensiosamente, um livro da Simone Beauvoir que estava exposto, chamado A Mulher Desiludida. Nunca havia lido nada da autora francesa, companheira de Jean-Paul Sartre e ídolo-maior do movimento feminista e foi uma grande e boa surpresa!




Na obra, tem-se três contos: A Idade da Discrição, Monólogo e A Mulher Desiludida. Li num sopro: não consegui largar o livro até concluir o último conto,  motivo maior da minha perturbação. O texto, escrito na forma de diário, narra o profundo sofrimento mental de Monique, provocado pela infidelidade do marido: após descobrir que é traída, Monique decide aceitar o caso de Maurice, passando a dividir o tempo e as atenções com a figura de Noëllie, uma mulher mais jovem, bonita, bem sucedida, o inferno. As páginas avançam à medida que Monique perde seu eixo, e é devastador perceber como a obsessão e a falta de amor próprio fazem da personagem um farrapo humano. Simone de Beauvoir afirmou que não pretendeu, com esses textos, construir qualquer lição de moral, mas deve-se reconhecer que a autora apresenta um retrato ácido e muito vívido sobre o que é a traição quando vivida pelo feminino. Perturbador, mas vale a leitura.





É preciso que me habitue. Sentei-me diante da mesa. Estou sentada. E olho essas duas portas: o escritório de Maurice, nosso quarto. Fechadas. Uma porta fechada, qualquer coisa me espreita, atrás. Ela não se abrirá se eu não me mexer. Não me mexer. Jamais. Parar o tempo e a vida. Mas eu sei que me mexerei. A porta se abrirá lentamente e eu verei o que há atrás da porta. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente. Implacavelmente. Estou no limiar. Só existe esta porta e o que me espreta atrás dela. Tenho medo. E não posso pedir socorro a ninguém.

Tenho medo.”
(SIMONE DE BEAUVOIR, A Mulher Desiludida, Editora Nova Fronteira, 2010, pg.254)

A Sede do Pecado: Paulo Mendes Campos

jul
2012
14

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“Olhe, irmão, o que me interessa nas coisas é o que elas poderiam ser. O que me atrai nas criaturas é a disponibilidade, essa linda e trágica espera incessante, esse constante vigiar das tentações, como se torcêssemos pela circunstância, pela pessoa, pelo demônio que viesse (que sempre parece vir) nos arrancar os trilhos para as cambalhotas da vida. Você há de ter observado, meu velho, um rosto, um olhar disciplinado e intimidade por séculos de civilização burguesa, você há de ter notado que nesses rostos costuma brilhar de vez em quando um anseio esquisito, uma luz que é bem uma sede de pecado, de desconhecido, de desastre. Instantes em que se revela em nós o pagão – o selvagem, o homem que deseja perder a própria vida e não ganhar. Vinte séculos de cristianismo não extinguiram em nós o gosto ácido do desprendimento, o amor impensado pelas coisas do mundo: sol, frutos, fêmea subjugada sobre  a relva. Bem, irmão, esses momentos são tudo pra mim”. (Trecho da carta de Paulo Mendes Campos a Otto Lara Resende, publicada pelo Instituto Moreira Sales, 2012, pg. 12, Um Coração em Agosto)


A Descoberta do Mar: Ángel Rama

jul
2012
11

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Hoje trago o trecho de um conto do escritor uruguaio Ángel Rama, chamado Sobre a costa (in: Terra sem Mapa, editora Grua). Decidi compartilhar essas palavras porque nos últimos dias tenho tido muita vontade de ir à praia, ficar à toa, ouvindo o mar e sentindo o ar das férias. Boa quarta-feira a todos!




“Mas esse animal existe? Chama-se mar e não há dúvida de que é um campo que alguém lavra lá de baixo com movimentos constantes. Há dias em que ele vem de longe para se meter entre duas montanhas, com tal força que entra no rio por onde não cabe e brama logo em seguida como um potro no cio.

Enquanto Lina desce por entre a encosta abrupta do rio seguindo os passos de Ramón, mais que a extensão do mar, assusta-a o zumbido que enche o espaço aberto debaixo do céu claro e o aroma que dali chega e a excita de um modo obscuro.

[...]

Dissipou-se a desconfiança de Lina. Já não olha o alto mar, nem a abrupta caída da montanha; agora avança a poucos passos da margem, contemplando os desenhos que a onda traça quando deposita a ressaca espumosa. Esse vaivém a deslumbra, e, quando a onda retorna sugada pelo mar, sente que também puxa a ela, que em vão tenta afastar-se.”

Uma Pausa para o Olhar: Araquém Alcântara

jul
2012
10

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Reflexões de Sílvia: Erico Verissimo

jul
2012
10

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O trecho abaixo, de autoria de Erico Verissimo, compõe a saga O Tempo e o Vento, romance épico dividido em três partes: O Continente, O Retrato e o Arquipélago, cada qual composta por dois volumes. A saga reúne personagens míticos da literatura brasileira, como o capitão Rodrigo Cambará. Para os que não têm fôlego de assumir a leitura dos seis volumes, a Cia das Letras editou partes da saga em livros autônomos, que podem ser lidos de forma independente sem prejuízo da compreensão de seu contexto. Decidi trazer hoje um trecho Do Diário de Sílvia, integrante da saga, porque as palavras da personagem ressoam bastante no meu próprio modo de ver o mundo.




“Eu gostaria de compreender melhor as outras pessoas. Seria um modo indireto de me compreender a mim mesma. Gosto de gente. Desejo que os outros gostem de mim. A minha vida não teria sido, toda ela, uma busca de amor? Quando penso nos dias da infância, me vejo uma menininha de pernas finas a caminhar pelas salas do Sobrado atrás de alguém, pedinchando que me aceitassem... Se havia coisa que eu temia era não ser querida. Às vezes me envergonho um pouco dessa atitude canina: o vira-lata em busca dum amo.” (VERISSIMO, Erico. Do Diário de Sílvia, Cia das Letras, 2008, pg. 38)

A Teresa das Paixões: Manuel Bandeira

jul
2012
09

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O poeta Manuel Bandeira, nascido em 1886 em Recife, é um dos modernistas por excelência da literatura brasileira. Sua linguagem é leve, cotidiana, da cidade. Seu lirismo vem acompanhado de uma melancolia que cativa as tristezas da gente. O poema que trago hoje, chamado Teresa, nos fala sobre a inexplicável paixão que surge por quem a gente nunca imaginou. O poema pode ser encontrado na obra Estrela da Vida Inteira (Editora Nova Fronteira, 1993, pg. 136). Boa segunda-feira!






Teresa

Manuel Bandeira



A primeira vez que vi Teresa

Achei que ela tinha pernas estúpidas

Achei também que a cara parecia uma perna



Quando vi Teresa de novo

Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo

(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

                                                                                                                    
 Da terceira vez não vi mais nada

Os céus se misturaram com a terra

E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Erotismo Dominical: Drummond

jul
2012
08

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Sob o chuveiro amar

Carlos Drummond de Andrade



Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,

ou na banheira amar, de água vestidos,

amor escorregante, foge, prende-se,

torna a fugir, água nos olhos, bocas,

dança, navegação, mergulho, chuva,

essa espuma nos ventres, a brancura

triangular do sexo – é água, esperma,

é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?



(In: O Amor Natural, Editora Record, Rio de Janeiro, 2011, pg. 43)

Sobre o Amor e a Descoberta: Franzen

jul
2012
06

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A Feira Literária de Paraty, a FLIP, está acontecendo desde quarta e, aproveitando a desculpa do evento, que tem Carlos Drummond de Andrade como homenageado de 2012, trouxe as palavras sobre o amor e a dor de um dos convidados deste ano, o escritor americano Jonathan Franzen, , publicadas no texto A dor não nos matará, da coletânea de ensaios Como ficar sozinho (Cia das Letras, 2012).




 “Quando ficamos trancados em nossos quartos, bufando, caçoando ou nos sentindo indiferentes, como fiz durante tantos anos, o mundo e os seus problemas parecem desafios impossíveis. Mas quando saímos às ruas e temos relacionamentos reais com seres reais, ou mesmo animais reais, há o perigo bastante real de amarmos alguns deles. E então quem saberá dizer que rumo a vida tomará?”

Crônica de Quinta-Feira

jul
2012
05

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 Li em algum desses sites de notícias, e não sei até que ponto procede a informação, que alguém pode ser considerado jovem, para fins de contagem oficial, até os 28 anos. Resta-me, portanto, um ano e meio de juventude, quando passarei a integrar a estatística um pouco triste, mas muito digna, dos não-jovens. A ideia de não ser mais jovem me pegou de surpresa, muito embora já tenha, talvez, perdido o viço há anos. Por mais cliché que pareça, as pessoas estão sempre afirmando por aí que chegaram aos quarenta com a cabeça dos trinta e que, depois de certo tempo, não há mais concordância entre a idade que achamos ter àquela que os outros nos atribuem.



 Sinto-me perseguida, diariamente – mesmo no período de férias, o que é uma lástima – por uma sensação inquietante de que o tempo está passando, inexoravelmente, e estou ficando, ficando, ficando, até que não adiantará mais me preocupar. Será isso a perda da juventude? Alguns dirão que a geração dos jovens de hoje é vítima de uma corrida absurda por resultados – é preciso estar resolvido, bem-sucedido, formado e experiente já aos 25 – outros dirão que os minutos encurtaram-se, os segundos são unicamente sopros, e que os relógios já não têm a preguiça dos tempos em que era preciso esperar alguns dias pelas respostas de nossas cartas.

Nesse ponto não é importante saber quem tem razão. Só me preocupa a certeza de que chegará um tempo em que os planos não poderão mais ter a duração de décadas, mas de anos e que, talvez, o reflexo que tenhamos deixado no caminho seja pobre, rápido e aflito demais para que tenhamos orgulho do que fomos. Creio que é preciso perder mais o tempo.  Talvez isso nos baste.

Bagunça Literária

jul
2012
03

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Queridos amigos, a casa do Ler para Contar está no meio de uma obra importante: as prateleiras e as bancadas de estudo estão sendo, enfim, preparadas para acomodar os livros com a ordem que este blog merece. Estou já muito contente com a perspectiva de ter um espaço confortável, claro e organizado para trabalhar e arrumar os títulos. Nos próximos dias, o acesso aos livros ficará um pouco prejudicado, além do cansaço que todo esse mexe-mexe causa, mas tentaremos trazer, a cada noite, um belo poema, obra de arte ou música para aquietar os nossos corações solitários. Um beijo em todos.





Ferreira Gullar



Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome
o que a alimenta.

Tudo é Mar: Cecília Meireles

jul
2012
02

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Beira-Mar

Cecília Meireles



Sou moradora das areias,

de altas espumas: os navios

passam pelas minhas janelas

como o sangue nas minhas veias,

como os peixinhos nos rios...



Não têm e têm velas;

e o mar tem e não tem sereias;

e eu navego e estou parada,

vejo mundos e estou cega,

porque isto é mal de família,

ser de areia, de água, de ilha...

E até sem barco navega

quem para o mar foi fadada.



Deus de proteja, Cecília,

que tudo é mar – e mais nada.