Archive for julho 2012
Quando tudo
parece perdido, apenas o poeta chileno Pablo Neruda pode nos salvar! Lindo poema retirado da obra Vinte Poemas de Amor e uma Canção
Desesperada. Boa terça-feira a todos.
Recordo-te
como eras no derradeiro outono.
Eras a
boina gris e o coração em calma.
Nos teus
olhos lutavam as chamas do crepúsculo.
E caíam
as folhas em água de tua alma.
Aos
meus braços colada qual uma trepadeira,
as folhas
recolhiam tua voz úmida e em calma.
Oh
fogueira de pasmo em que ardeu minha sede.
Doce
jacinto azul torcido na minha alma.
Sinto o
viajar dos olhos teus e é longe o outono:
boina gris,
voz de pássaro e coração de casa,
para onde
emigravam meus profundos anseios
e caíam
meus beijos alegres como brasas.
Céu,
visto de um navio. Campo, visto do monte.
Tua
lembrança é de luz, de fumo e lago em calma!
No
fundo de teus olhos ardiam os crepúsculos.
Folhas
secas de outono giravam na tua alma.
Hoje
segue a dica de um livro bem açucarado sobre o amor: o romance Para Sempre, da escritora Ana Maria
Machado. Não que a história seja como um conto de fadas ou uma propaganda de
margarina, mas é uma visão muito bonita, madura e feminina sobre o amor e suas
transformações. Um bom começo de semana a todos!
“Por outro lado, porém, acontecia uma coisa
um pouco esquisita: Zezé fazia Ewerton se lembrar da mãe e das irmãs lá no vale
do Itajaí. Não que fossem parecidas, impossível haver dois tipos de mulher tão
diferentes – no colorido, no jeito de andar, no modo de falar. Mas tinha que
reconhecer que todas elas lhe passavam a mesma impressão de força capaz de aguentar
tudo, ao mesmo tempo misturada com uma delicadeza frágil de quem devia ser
poupada de qualquer dificuldade maior. Uma coisa diferente, que dava vontade de
respeitar, de tomar conta, não deixar nada de ruim acontecer, nunca. Junto com
a certeza de que ao lado delas estaria protegido, seguro, bem-cuidado. Para
sempre.” (MACHADO, Ana Maria. Para
Sempre, Alfaguara, 2011, pg. 40)
Pessoas
mais introspectivas, envolvidas com trabalho intelectual ou não, estão sempre
precisando de tempo para o ócio: oportunidades para ficar à toa, olhando para o
teto, ir ao cinema ver um bom filme, ler um livro por prazer, tomar um café no
fim de tarde, exercícios de autoconhecimento e tempo para ouvir os próprios
pensamentos. O texto que trago hoje, de autoria do escritor mineiro Campos de
Carvalho, escrito por ocasião de sua viagem a Londres, traduz com primor
literário a importância desses momentos do eu-sozinho. Boa quinta-feira!
“Quando empreendi esta viagem, sentia-me,
no mínimo, um novo Colombo um pouco mais céptico, sem dúvida: e esperava
encontrar mundos novos no Velho Mundo ou pelo menos um simulacro deles, algo
como uma miragem que me fizesse esquecer de mim mesmo – e de meus oito ou nove
anos de silêncio. Aqui estou, nu como vim, apenas seis meses mais velho e nu –
mas algo me dizendo que sob a minha nudez estou grávido de mil coisas e (o que
é mais importante) que já estava grávido quando aqui cheguei e muito antes de
ter sequer sonhado em romper com o meu passado. Vim aqui ver, e não vi, o que
só podia estar dentro de mim e não em qualquer geografia: a face oculta do sol
e de todas as luas, o outro lado do espelho e o rio subterrâneo que corre sob
cada rio: a palavra mágica e insabida que um dia, sem querer, proferirei e me
revelará mais do que a própria Morte: o ovo de pássaro que mesmo o mais
deserdado de nós traz nas suas entranhas, e que no artista se chama intuição,
gênio, loucura ou simplesmente alma”. (CARVALHO, Campos de. Cartas de Viagem e Outras Crônicas, José
Olympio Editora, 2006, pg. 24)
on Notícias
Que tal começar o dia ouvindo as palavras do Dalai Lama proferidas em discurso na Universidade de Stanford? Essa dica é para os que desejam aproveitar melhor o tempo que dedicam à internet: o Portal Veduca reúne, com acesso gratuito, aulas ministradas nas universidades americanas mais celebradas, como Harvard, Yale e Berkeley. Você pode escolher que aula assistir por Universidade e área do conhecimento. Das ciências naturais às humanas, é possível ter acesso a conteúdos de alto nível no conforto da sua escrivaninha. A maior parte já conta com legendas em português para quem tem dificuldade com o inglês. Para os que gostam de filosofia, aqui o link para a aula 1 do curso “A Morte: Questões Morais e Filosóficas”, ministrado por Shelly Kagan em Yale. Boa aula!
Fonte: catracalivre.folha.uol.com.br
on Belas Artes
Todos
merecemos descansar. Vamos nos inspirar no belíssimo quadro de Van Gogh para
esses últimos suspiros de férias.
Estados
de Ânimo
Mario Benedetti
Umas vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de cumes repetidos
umas vezes me sinto
como um precipício
e em outras como um céu
azul mas distantes
às vezes a gente é
um manancial entre rochas
e outras vezes árvore
com as últimas folhas
mas hoje me sinto apenas
como lagoa insone
com um embarcadouro
já sem embarcações
Neste
domingo de sol forte, na cidade onde todos parecem estar empenhados em produzir
ruídos, deixo as belas palavras de Rainer Maria Rilke sobre a arte de estar
sozinho.
“Não importa se é a cantiga de uma lâmpada ou
a voz da tempestade, a respiração da noite ou o gemido do mar que o cerca,
sempre vigia atrás de você uma vasta melodia, tecida de milhares de vozes, em que
apenas de vez em quando há espaço para seu solo. Saber quando é sua vez de
cantar, esse é o segredo de sua solidão, como é a arte da verdadeira interação:
deixar-se cair das palavras imponentes para entrar na melodia única,
compartilhada”. (RILKE, Rainer Maria. Cartas do Poeta sobre a Vida, Martins Fontes, 2007, pg. 140)
Desculpem-me
a longa ausência. Dias de dispersão intelectual. Deixo-os com um trecho
do conto Terapia de Solidão do magnífico Mario Benedetti sobre a importância do isolamento, do recolhimento e
de compreensão. Bom final de semana!
“Meu querido: Aqui estou eu, na minha ilha,
que não é exatamente uma ilha, já que não está cercada pelo mar e sim pela
vegetação, pelas árvores, pelo pampa propriamente dito. Mas é uma ilha no
sentido espiritual. Embora também não seja isso, já que estou cercada por
distantes presenças e próximas ausências, pela lembrança dos outros e pelo
fluxo da minha própria memória. Parece complicado? Pode ser. Você bem sabe que
já fazia algum tempo precisava me isolar, ir em busca da solidão perdida
(Marcel Proust velho de guerra!). Felizmente você me entendeu, e confesso que
essa compreensão aumentou meu amor (e também meu respeito) por você. Estou
convencida de que o respeito pela solidão do ser amado é uma das formas menos frequentes
porém mais verdadeiras de amor, não acha?” (BENEDETTI, Mario. Terapia de Solidão, in Correio do Tempo, Alfaguara, 2007, pg.
105)
on Leitura
Quanto
tempo você dedica ao seu crescimento cultural? O que você gosta de ler,
assistir, ouvir? O quanto a sua leitura é importante para a construção do que você é? O sofrido ou o trabalhoso não convêm? Para
refletir sobre essas perguntas, trago hoje em tradução livre um trecho da obra A Civilização do Espetáculo, de autoria
de Mario Vargas Llosa, publicado pela Alfaguara. A obra pretende analisar como
a cultura vem sendo paulatinamente destruída pelo que ele denomina
entretenimento de massa. Um ensaio lúcido sobre o que é cultura e qual sua
importância para a humanização do homem.
“A diferença essencial entre a cultura do
passado e o entretenimento de hoje é que os produtos daquela pretendiam
transcender o tempo presente, durar, seguir vivos nas gerações futuras, enquanto
que os produtos deste são fabricados para ser consumidos no instante e
desaparecer, como os biscoitos ou a pipoca. Tolstói, Thomas Mann, Joyce e
Faulkner escreviam livros que pretendiam derrotar a morte, sobreviver aos seus
autores, seguir atraindo e fascinando leitores nos tempos futuros. As novelas
brasileiras e os filmes de Bolywood, como os shows da Shakira, não pretendem
durar mais que o tempo de sua apresentação e desaparecer para deixar espaço a
outros produtos igualmente exitosos e efêmeros. A cultura é diversão e o que
não é divertido não é cultura”. (LLOSA, Mario Vargas. La Civilización del espectáculo.
Alfaguara, Buenos Aires, 2012, pg. 31)
Escrevo
este post com a urgência que uma leitura perturbadora provoca na alma da gente.
Ontem, fui à livraria no começo da noite para tomar um café e acabei comprando,
despretensiosamente, um livro da Simone Beauvoir que estava exposto, chamado A
Mulher Desiludida. Nunca havia lido nada da autora francesa, companheira de
Jean-Paul Sartre e ídolo-maior do movimento feminista e foi uma grande e boa surpresa!
Na
obra, tem-se três contos: A Idade da
Discrição, Monólogo e A Mulher
Desiludida. Li num sopro: não consegui largar o livro até concluir o último
conto, motivo maior da minha perturbação. O texto, escrito na forma de diário,
narra o profundo sofrimento mental de Monique, provocado pela infidelidade do
marido: após descobrir que é traída, Monique decide aceitar o caso de Maurice,
passando a dividir o tempo e as atenções com a figura de Noëllie, uma mulher
mais jovem, bonita, bem sucedida, o inferno. As páginas avançam à medida que
Monique perde seu eixo, e é devastador perceber como a obsessão e a falta de
amor próprio fazem da personagem um farrapo humano. Simone de Beauvoir afirmou
que não pretendeu, com esses textos, construir qualquer lição de moral, mas deve-se reconhecer que a autora apresenta um retrato ácido e muito
vívido sobre o que é a traição quando vivida pelo feminino. Perturbador, mas vale a leitura.
“É preciso que me habitue. Sentei-me diante
da mesa. Estou sentada. E olho essas duas portas: o escritório de Maurice,
nosso quarto. Fechadas. Uma porta fechada, qualquer coisa me espreita, atrás.
Ela não se abrirá se eu não me mexer. Não me mexer. Jamais. Parar o tempo e a
vida. Mas eu sei que me mexerei. A porta se abrirá lentamente e eu verei o que
há atrás da porta. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente.
Implacavelmente. Estou no limiar. Só existe esta porta e o que me espreta atrás
dela. Tenho medo. E não posso pedir socorro a ninguém.
Tenho medo.”
(SIMONE DE BEAUVOIR, A Mulher Desiludida,
Editora Nova Fronteira, 2010, pg.254)
on Epistolografia, Literatura Brasileira
“Olhe, irmão, o que me interessa nas coisas
é o que elas poderiam ser. O que me atrai nas criaturas é a disponibilidade,
essa linda e trágica espera incessante, esse constante vigiar das tentações,
como se torcêssemos pela circunstância, pela pessoa, pelo demônio que viesse
(que sempre parece vir) nos arrancar os trilhos para as cambalhotas da vida.
Você há de ter observado, meu velho, um rosto, um olhar disciplinado e
intimidade por séculos de civilização burguesa, você há de ter notado que
nesses rostos costuma brilhar de vez em quando um anseio esquisito, uma luz que
é bem uma sede de pecado, de desconhecido, de desastre. Instantes em que se
revela em nós o pagão – o selvagem, o homem que deseja perder a própria vida e
não ganhar. Vinte séculos de cristianismo não extinguiram em nós o gosto ácido
do desprendimento, o amor impensado pelas coisas do mundo: sol, frutos, fêmea
subjugada sobre a relva. Bem, irmão,
esses momentos são tudo pra mim”. (Trecho da carta de Paulo
Mendes Campos a Otto Lara Resende, publicada pelo Instituto Moreira Sales,
2012, pg. 12, Um Coração em Agosto)
Hoje
trago o trecho de um conto do escritor uruguaio Ángel Rama, chamado Sobre a costa (in: Terra sem Mapa, editora Grua). Decidi compartilhar essas palavras
porque nos últimos dias tenho tido muita vontade de ir à praia, ficar à toa, ouvindo
o mar e sentindo o ar das férias. Boa quarta-feira a todos!
“Mas esse animal existe? Chama-se mar e não
há dúvida de que é um campo que alguém lavra lá de baixo com movimentos
constantes. Há dias em que ele vem de longe para se meter entre duas montanhas,
com tal força que entra no rio por onde não cabe e brama logo em seguida como
um potro no cio.
Enquanto Lina desce por entre a encosta
abrupta do rio seguindo os passos de Ramón, mais que a extensão do mar,
assusta-a o zumbido que enche o espaço aberto debaixo do céu claro e o aroma
que dali chega e a excita de um modo obscuro.
[...]
Dissipou-se a desconfiança de Lina. Já não
olha o alto mar, nem a abrupta caída da montanha; agora avança a poucos passos
da margem, contemplando os desenhos que a onda traça quando deposita a ressaca
espumosa. Esse vaivém a deslumbra, e, quando a onda retorna sugada pelo mar,
sente que também puxa a ela, que em vão tenta afastar-se.”
O
trecho abaixo, de autoria de Erico Verissimo, compõe a saga O Tempo e o Vento, romance épico
dividido em três partes: O Continente, O Retrato e o Arquipélago, cada qual
composta por dois volumes. A saga reúne personagens míticos da literatura
brasileira, como o capitão Rodrigo Cambará. Para os que não têm fôlego de
assumir a leitura dos seis volumes, a Cia das Letras editou partes da saga em
livros autônomos, que podem ser lidos de forma independente sem prejuízo da
compreensão de seu contexto. Decidi trazer hoje um trecho Do
Diário de Sílvia, integrante da saga, porque as palavras da personagem
ressoam bastante no meu próprio modo de ver o mundo.
“Eu gostaria de compreender melhor as
outras pessoas. Seria um modo indireto de me compreender a mim mesma. Gosto de
gente. Desejo que os outros gostem de mim. A minha vida não teria sido, toda
ela, uma busca de amor? Quando penso nos dias da infância, me vejo uma
menininha de pernas finas a caminhar pelas salas do Sobrado atrás de alguém,
pedinchando que me aceitassem... Se havia coisa que eu temia era não ser
querida. Às vezes me envergonho um pouco dessa atitude canina: o vira-lata em
busca dum amo.” (VERISSIMO, Erico. Do Diário de Sílvia, Cia das Letras, 2008, pg. 38)
O poeta
Manuel Bandeira, nascido em 1886 em Recife, é um dos modernistas por excelência
da literatura brasileira. Sua linguagem é leve, cotidiana, da cidade. Seu
lirismo vem acompanhado de uma melancolia que cativa as tristezas da gente. O
poema que trago hoje, chamado Teresa, nos fala sobre a inexplicável paixão que
surge por quem a gente nunca imaginou. O poema pode ser encontrado na obra Estrela da Vida Inteira (Editora Nova Fronteira, 1993, pg. 136). Boa segunda-feira!
Teresa
Manuel
Bandeira
A
primeira vez que vi Teresa
Achei
que ela tinha pernas estúpidas
Achei
também que a cara parecia uma perna
Quando
vi Teresa de novo
Achei
que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os
olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Os céus
se misturaram com a terra
E o
espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Sob o
chuveiro amar
Carlos Drummond de Andrade
Sob o chuveiro amar, sabão e
beijos,
ou na banheira amar, de água
vestidos,
amor escorregante, foge,
prende-se,
torna a fugir, água nos olhos,
bocas,
dança, navegação, mergulho,
chuva,
essa espuma nos ventres, a
brancura
triangular do sexo – é água,
esperma,
é amor se esvaindo, ou nos
tornamos fonte?
(In: O Amor Natural, Editora Record, Rio de Janeiro, 2011, pg. 43)
A Feira
Literária de Paraty, a FLIP, está acontecendo desde quarta e, aproveitando a
desculpa do evento, que tem Carlos Drummond de Andrade como homenageado de
2012, trouxe as palavras sobre o amor e a dor de um dos convidados deste ano, o
escritor americano Jonathan Franzen, , publicadas no texto A dor não nos matará, da coletânea de ensaios Como ficar sozinho (Cia das Letras, 2012).
on Reflexos
Li em algum desses sites de notícias,
e não sei até que ponto procede a informação, que alguém pode ser considerado
jovem, para fins de contagem oficial, até os 28 anos. Resta-me, portanto, um
ano e meio de juventude, quando passarei a integrar a estatística um pouco
triste, mas muito digna, dos não-jovens. A ideia de não ser mais jovem me pegou
de surpresa, muito embora já tenha, talvez, perdido o viço há anos. Por mais
cliché que pareça, as pessoas estão sempre afirmando por aí que chegaram aos
quarenta com a cabeça dos trinta e que, depois de certo tempo, não há mais
concordância entre a idade que achamos ter àquela que os outros nos atribuem.
Sinto-me perseguida, diariamente –
mesmo no período de férias, o que é uma lástima – por uma sensação inquietante
de que o tempo está passando, inexoravelmente, e estou ficando, ficando,
ficando, até que não adiantará mais me preocupar. Será isso a perda da juventude? Alguns dirão que a geração
dos jovens de hoje é vítima de uma corrida absurda por resultados – é preciso
estar resolvido, bem-sucedido, formado e experiente já aos 25 – outros dirão
que os minutos encurtaram-se, os segundos são unicamente sopros, e que os
relógios já não têm a preguiça dos tempos em que era preciso esperar alguns
dias pelas respostas de nossas cartas.
Nesse ponto não é importante saber
quem tem razão. Só me preocupa a certeza de que chegará um tempo em que os
planos não poderão mais ter a duração de décadas, mas de anos e que, talvez, o
reflexo que tenhamos deixado no caminho seja pobre, rápido e aflito demais para
que tenhamos orgulho do que fomos. Creio que é preciso perder mais o
tempo. Talvez isso nos baste.
Queridos
amigos, a casa do Ler para Contar está no meio de uma obra importante: as
prateleiras e as bancadas de estudo estão sendo, enfim, preparadas para acomodar
os livros com a ordem que este blog merece. Estou já muito contente com a
perspectiva de ter um espaço confortável, claro e organizado para trabalhar e
arrumar os títulos. Nos próximos dias, o acesso aos livros ficará um pouco prejudicado,
além do cansaço que todo esse mexe-mexe causa, mas tentaremos trazer, a cada
noite, um belo poema, obra de arte ou música para aquietar os nossos corações
solitários. Um beijo em todos.
Ferreira
Gullar
Do mesmo modo que te abriste à
alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
Beira-Mar
Cecília Meireles
Sou moradora das areias,
de altas espumas: os navios
passam pelas minhas janelas
como o sangue nas minhas veias,
como os peixinhos nos rios...
Não têm e têm velas;
e o mar tem e não tem sereias;
e eu navego e estou parada,
vejo mundos e estou cega,
porque isto é mal de família,
ser de areia, de água, de ilha...
E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.
Deus de proteja, Cecília,
que tudo é mar – e mais nada.