Archive for junho 2012
on Belas Artes, Leitura
Ferreira
Gullar, além de poeta, é um grande crítico de arte e tem escritos muito lúcidos
sobre estética que valem a leitura atenta. Gullar elucida questões como
vanguarda, arte-conceitual e todas as falácias relacionadas ao emprego desses
termos, ao nos alertar que existe, sim, o belo e o seu oposto em arte, e que nem toda
crítica ao novo é necessariamente “passadista”. Para quem se interessar, é
muito boa a leitura do livro de Gullar chamado Sobre arte, sobre poesia (Uma luz no chão), publicado pela José
Olympio. O texto abaixo me fez lembrar um autoproclamado poeta cearense que,
certa vez, num café cheio de ouvintes deslumbrados, apresentou uma ideia
brilhante por ele concebida: um artigo de uma revista literária que foi
apresentado em branco, com os seguintes dizeres “este espaço estava reservado
para fulano de tal, mas ele não apareceu”. Genial, não é? A literatura que é
não literatura.
“Como se pode concluir do que foi dito,
deu-se uma inversão de valores no âmbito da avaliação e mesmo da concepção
artística, já que a obra deixou de impor-se pelas qualidades estéticas, por sua
execução, por sua complexidade, pela adequação da forma e conteúdo, para valer
apenas pelo que trazia de “novo” e que, na maioria das vezes, limitava-se à
busca deliberada do extravagante e do diferente. Não é difícil adivinhar que
tal concepção conduziria fatalmente à desintegração das linguagens artísticas e
a um vale-tudo que eliminava qualquer avaliação objetiva”. (GULLAR,
F. Sobre arte, sobre poesia (uma luz no
chão), José Olympio, pg. 14)
Já
falei sobre a escritora carioca Livia Garcia-Roza em outro post e aproveito o dia
de hoje para apresentar mais um romance de sua autoria, chamado Milamor. As personagens mais marcantes
da obra de Livia fazem parte de um universo profundamente feminino, urbano,
lírico e muito sofrido. No romance Milamor, temos a história de Maria, uma mulher
madura de filhos já adultos, viúva, que redescobre o amor e a paixão. O cotidiano tedioso de Maria é
ricamente descrito a partir da perspectiva da personagem: o ócio, a falta de
energia, a vivência do passado como maior passatempo. Acompanhamos a
transformação emocional de Maria com a chegada de Alencar, as palpitações, a
ansiedade, o doce gosto das fantasias. Um romance muito delicado que vale a
leitura. As mulheres vão se reconhecer na escrita de Livia Garcia-Roza, os
homens podem aprender um pouco sobre universo afetivo do sexo oposto. Boa
quarta!
“Moramos bem, minha filha e eu, num bom
apartamento, espaçoso, claro e vazio, porque ela não gosta de móveis. Precisa
se locomover – nos poucos momentos em que passa em casa –, sem nada ao redor,
na amplidão. Na verdade, aqui no alto, moramos eu e as samambaias, com quem
troco ideias diárias. E recebemos duas visitas, a de Maria Inês e da diarista.
Sim, porque minha filha trabalha o dia inteiro e quando termina o expediente
emenda a noite com os colegas. Conversar comigo é raro. Quando começo a falar –
se não for para me queixar de alguma dor –, ela se desinteressa,
instantaneamente. Está sempre apressada, até o café da manhã ela toma em pé, ao
lado da porta de entrada. Sábado e domingo passa o tempo todo no computador, ou
no telefone. O que me vale é ter cultivado amizades ao longo da vida.” (Editora Record, 2008, pg. 8)
Terça-feira
pode ser um dia para delicadezas literárias. Nada melhor que uma crônica do
Rubem Braga, chamada O Conde e o
Passarinho, publicada na obra homônima.
“Devo confessar preliminarmente que, entre
um conde e um passarinho, prefiro um passarinho. Torço pelo passarinho. Não é
por nada. Nem sei mesmo explicar essa preferência. Afinal de contas, um
passarinho canta e voa. O conde não sabe gorjear nem voar. O conde gorjeia com
apitos de usinas, barulheiras enormes, de fábricas espalhadas pelo Brasil,
vozes dos operários, dos teares, das máquinas de aço e de carne que trabalham
para o conde. O conde gorjeia com o dinheiro que entra e sai de seus cofres, o
conde é um industrial, e o conde é conde porque é industrial. O passarinho não
é industrial, não é conde, não tem fábricas. Tem um ninho, sabe cantar, sabe
voar, é apenas um passarinho e isso é gentil, ser um passarinho”.
on Belas Artes
Aproveito a preguicinha do domingo para indicar uma
interessante entrevista como o francês Roger Chartier sobre o hábito da leitura.
Neste link.
on Japão, Poesia Musical
A ópera Madama Butterfly foi criada pelo italiano Giacomo Puccini, sendo interpretada pela primeira vez no começo do século XX, em Milão. A ópera tem como enredo a tragédia de Butterfly, uma gueixa que se apaixona por um oficial americano, Benjamin Pinkerton. O americano resolve tomar Butterfly como esposa. Leviano, interessado na jovem gueixa apenas para aplacar seu desejo, Pinketon não tem planos de permanecer no Japão por muito tempo. Após três anos de abandono, o oficial volta a dar notícias, quando a terrível tragédia se abate sobre a pobre Cio-Cio-San. A ópera é organizada em três atos e assisti ao espetáculo preparado pela Royal Opera House, exibido em 3D pela UCI, que tem a magnífica Liping Zhang como intérprete de Butterfly. Uma história para chorar até as entranhas de tanta beleza.
Para
descobrir mais: www.madambutterfly3d.com
Para os
melancólicos de plantão.
Fernando Pessoa
Chove. Há silêncio,
porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...
on Cinema
O filme/documentário José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, é um primor de delicadeza e sentimento: um olhar sobre o amor imenso entre o escritor José Saramago e sua Pilar, companheira e empresária (ou seria assessora de imprensa?). Sem mais palavras, porque esses últimos dias têm sido de silêncio. Para continuar acreditando no amor e na força do espírito feminino.
Um
pouco da malandragem de Vadinho, o mais irresistível dos pilantras da
literatura nacional.
“Revelava-lhe
um mundo apenas suspeitado de prazeres proibidos, ganhando a cada noite de
namoro uma parcela de sua resistência e de seu corpo, de seu pudor, de sua oculta
emoção. O desejo a consumia numa fogueira de altas labaredas, ardiam brasas em
seu ventre, mas Flor buscava conter-se e coibir-se. Sentindo-se, entretanto,
dia a dia menos senhora da sua própria vontade, de recusa frágil, relutância débil,
submissa escrava do rapaz audacioso, que já se apoderara de quase todo o seu
corpo queimado de uma febre sem remédio, ai, sem remédio.” (JORGE AMADO, Dona
Flor e seus dois maridos, Cia das Letras, 2008, pg. 95.)
A ausente
Vinícius de Moraes
Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...
Segunda
à noite, apesar da fadiga ocular que desenvolvi nas duas últimas semanas,
precisava muito ler algo bom e fui vasculhar as prateleiras de casa em busca de
algum livro que não tivesse lido ainda, dos que vieram morar comigo quando
casei. Escolhi Um Jogador, do grande
escritor russo Fiódor Dostoiévski, traduzido do russo por Boris Schnaiderman
para a Editora 34. Foi uma escolha iluminada, o livro é absolutamente
primoroso e não pude largá-lo desde então. A história do protagonista-narrador, Aleksiéi Ivânovitch, passa-se
numa pequena cidade alemã, apresentada como uma Estação das Águas, espécie de cidade-spa para aristocráticos ricos
fugirem do inverno rigoroso. Aleksiéi é preceptor de uma família de nobres russos,
à beira da falência, que espera ansiosamente pela morte da tia rica para que herança
possa salvá-los da miséria. A relação que se desenvolve entre o narrador e os
demais personagens é ricamente descrita por Dostoiévksi, com ironia e superioridade
de espírito: a trama que se desenvolve é como uma grande comédia a que Aleksiéi
tem o prazer de observar de perto. Segundo Fluxo do Pensamento me disse,
Aleksiéi está em pleno episódio maníaco, materializado no descontrole emocional
manifesto pelo narrador quando está à mesa do jogo. Grande leitura!
“Sei muito bem que não sou avarento; creio
mesmo que sou perdulário; e, no entanto, com que tremor ouço, de coração
opresso, os gritos do crupiê: trente et um, rouge, impair et passe; ou: quatre,
noit, pair et manque! Com que avidez olho para a mesa de jogo, em que estão
espalhados friedrichsors e táleres; para as pilhas de ouro, que quando trocadas
pela pazinha do crupiê se espalham em montículos luzentes como brasas, ou,
então, para as rumas de prata, do comprimento de um archin, jazendo em torno da
roda. Quando ainda me aproximo da sala de jogo e ouço, a uma distância de duas
salas, o tinir das moedas, quase chego a ter convulsões”.
Quando li Jorge Amado pela primeira vez na adolescência, por dever escolar, não gostei do estilo nem da temática do autor: tudo me parecia excessivamente vulgar, uma literatura sem maiores elaborações estéticas. No auge do desespero em busca de algo bom pra ler, eis que me vejo escolhendo um romance do autor baiano, na esperança de que uma nova leitura, mais madura, pudesse me reconciliar com a sua literatura. Li A morte e a morte de Quincas Berro Dágua em pouco mais de duas horas, achando delicioso e morrendo de rir das peripécias do defunto festejador. O que se vê nas páginas da novela é uma literatura muito sofisticada, e o que me pareceu vulgar naquela leitura de adolescência é, na verdade, uma prosa muito fluente, leve, fácil, que revela um profundo domínio sobre a língua e sobre a cultura popular da Bahia. Terminei o livro com a vontade de esgotar toda a obra do autor! Quincas Berro Dágua é o completo malandro do cais de Salvador: beberrão, libertino, deixou mulher e filha (duas jararacas, no dizer de Quincas) para ter uma vidade alegrias e liberdades. Até depois de morto o malandro apronta das suas e o seu velório tem direito a uma festança regada a cachaça e muito amor. Para morrer de rir.
“Era o cadáver de Quincas Berro Dágua, cachaceiro, debochado e jogador, sem família, sem lar, sem flores e sem rezas. Não era Joaquim Soares da Cunha, correto funcionário da mesa de rendas estadual, aposentado após vinte e cinco anos de bons e leais serviços, esposo modelar, a quem todos tiravam o chapéu e apertavam a mão. Como pode um homem, aos cinquenta anos, abandonar a família, a casa, os hábitos de toda uma vida, os conhecidos antigos, para vagabundear pelas ruas, beber nos botequins baratos, frequentar o meretrício, viver sujo e barbado, morar em infame pocilga, dormir em um catre miserável?” (Editora Cia das Letras, 2008, pg. 24)
Ontem assisti
ao filme japonês de Yojiro Takita chamado A
Partida. O enredo é focado na vida de Daigo Kobayashi, um violoncelista
desempregado que precisa voltar para sua cidade de origem para conseguir um
trabalho. Daigo é admitido na pequena empresa de Sasaki, dedicada à preparação
dos mortos para os rituais de cremação. Daigo passa, então, a enfrentar as
dificuldades do seu novo ofício: o asco que sente dos cadáveres, a
incompreensão da esposa, a rejeição de seu grupo de amigos, o trauma motivado pelo
abandono do pai. O filme é muito delicado e revela toda a beleza e o respeito pela
perda que envolve o trabalho de Sasaki-san. Pode parecer bem dramático, mas o
filme é surpreendentemente leve, em especial pela atuação do intérprete de
Daigo, que nos cativa pela inocência do personagem. Uma história para sorrir e
chorar.
“Os avarentos não acreditam na vida futura, o presente é tudo para eles. Essa reflexão lança uma luz horrível sobre os dias de hoje quando, mais do que em qualquer outra época, o dinheiro domina as leis, a política e os costumes. Instituições, livros, homens e doutrinas, tudo conspira para minar a crença em uma vida futura sobre a qual o edifício social está apoiado há mil e oitocentos anos. [...] Pensamento aliás inscrito em toda parte, até nas leis, que perguntam ao legislador: “Quanto você paga?”, em vez de dizer “O que você pensa?”. Quando essa doutrina tiver passado da burguesia para o povo, o que será do país?” (Editora Estação Liberdade, 2009, pg. 123)
A
literatura norte-americana não costuma ocupar tanto a minha atenção, a não ser
por alguns poucos grandes escritores que têm um cantinho fiel na minha
prateleira. Um deles é Philip Roth, autor de origem judaica que escreveu, entre
outras obras, A Marca Humana, O Fantasma
sai de Cena e Nêmesis. Todos os
livros que li de Roth foram excelentes e me fizeram refletir sobre questões
muito profundas e filosóficas com fluidez e leveza. O livro desta semana foi O Animal Agonizante. Na história, David
Kepesh, um crítico de arte bem sucedido, solteirão convicto, conhece Consuelo
Castillo, uma jovem estudante de origem cubana, bela e exuberante. David
vivenciou a revolução sexual dos anos sessenta e se considera uma cria bem
sucedida da liberdade conquistada por essa geração: sem amores certos e
vínculos, David se considera emancipado e experimenta o sexo sem maiores
consequências afetivas. Ao conhecer Consuela, David desenvolve uma adoração
obsessiva e sexual que o faz fraquejar e questionar se é, de fato, livre. A
leitura é eletrizante, e os temas de fundo da literatura de Roth estão
presentes: a velhice, a prisão das convenções sociais, o puritanismo americano,
a decadência intelectual e física. Vale cada página!
“Para aqueles que ainda não são velhos, ser
velho significa ter sido. Porém ser velho significa também que, apesar e além
de ter sido, você continua sendo. E ter sido ainda está cheio de vida. Você
continua sendo, e a consciência de continuar sendo é tão avassaladora quanto a
consciência de ter sido. Eis uma maneira de encarar a velhice: é a época da
vida em que a consciência de que a sua vida está em jogo é apenas um fato
cotidiano. É impossível não saber o fim que o aguarda em breve. O silêncio em
que você vai mergulhar para sempre. Fora isso, tudo é tal como antes. Fora
isso, você continua sendo imortal enquanto vive.”
De vez
em quando bate um cansaço tão grande do mundo e das gentes que a vontade é de
passar uma temporada em terras mais distantes. Como a lua é sempre um dos
destinos hipotéticos dos que não estão na órbita do cotidiano, deixo o
trechinho da obra Viagem à Lua, de
Cyrano de Bergerac (tradução de Fulvia Moretto, edições Globo), como inspiração pré-feriado. Aproveitem bem o dia de
amanhã!
“Era lua cheia, o céu estava claro, e
haviam soado nove horas da noite quando voltávamos de uma casa próxima a Paris,
quatro amigos e eu. Os diversos pensamentos que nos provocaram a visão daquela
bola de açafrão nos entretiveram no caminho. Com os olhos mergulhados naquele
grande astro, ora um de nós o tomava por uma lucarna do céu, através da qual
entrevíamos a glória dos bem-aventurados, ora um outro protestava que era a
platina em que Diana prepara as voltas de Apolo, ora outro exclamava que
poderia perfeitamente ser o próprio Sol que, tendo à noite se despojado de seus
raios, olhava através de um buraco o que se fazendo no mundo quando ele lá não
mais estava.
‘E eu’, disse, ‘que desejo misturar meu
entusiasmo ao vosso, creio, sem me deter nas imaginações desabridas com o que
estimulai o tempo para fazê-lo avançar mais depressa, que a Lua é um mundo como
este, ao qual o nosso serve de lua.”
Muitos
de nós, escritores ou não, já tivemos os nossos dias de dificuldades na
escrita. Pensando nesses momentos de falta de inspiração, trago um trechinho da crônica Lutar com palavras, do escritor mineiro
Fernando Sabino, publicada na coletânea A Chave do Enigma (editora Record, pg.
122).
“Posso
imaginar o que pensarão de nós (que vivemos de escrever e por isso ficamos em
casa o dia todo lutando com as palavras), aqueles que têm de enfrentar o
trabalho na cidade, saindo de manhã e só voltando à noite. Certamente nos
tomarão por vagabundos, pelo conceito tradicional de trabalho, segundo o qual
para exercê-lo é condição fundamental sair de casa.
[...]
Fica-se
à toa, andando de um lado para outro, com incursões à cozinha para tomar um
copo d´água ou comer uma banana. Um cigarro fumado à janela, uma revista velha
lida no banheiro. De vez em quando uma olhada com ódio para a máquina de
escrever, onde o papel em branco nos espera. Escrever o quê?”
on Dramaturgia
Só um
gênio do teatro como Molière seria capaz de criar uma obra-prima no século XVII
(1643) capaz de atravessar os tempos e permanecer atual e engraçada para um
leitor dos dias de hoje. Na comédia Escola
de Mulheres (tradução do eterno Millôr Fernandes), o tema é o adultério
feminino ou, mais especificamente, o temor de Arnolfo em ver a sua testa “ornada”,
no dizer do francês. O protagonista passa a vida a rir da desgraça alheia e maldizer
a falta de pulso dos homens, quando resolve se casar. Obcecado pela ideia de
ser traído, Arnolfo toma a jovem Inês desde os quatro anos, mantendo-a sob os
cuidados de uma ama para que se transforme numa mulher tão estúpida quanto
submissa. É muito divertido acompanhar o desenrolar da comédia, o aparecimento
do galã Horácio, as peripécias de Alain e Georgette, e, claro, perceber como
Inês acaba aprendendo direitinho a dobrar a submissão e encontrar a doçura dos
prazeres! Vale a leitura atenta.
“Caso com uma tola para não bancar o tolo.
Acredito, à fé de Deus, que a sua é uma mulher sagaz; mas uma mulher esperta é
mau presságio; eu sei o que custou a alguns casarem com mulheres cheias de
talento; me caso com uma intelectual, interessada apenas em conversas de
alcova, escrevendo maravilhas em prosa e verso, frequentada por marqueses e
gente de espírito, e fico sendo apenas um marido de madame, discreto a um
canto, como um santo sem crentes”. (Editora Paz e Terra, pg. 11)
Poucas coisas são tão desoladoras quanto o fim de tarde de domingo, ainda mais quando se está doente, o corpo enfraquecido, a cabeça meio vazia e o coração do tamanho de um botão. Nesse estado de espírito fraco, saí em busca de alguma leiturinha na livraria, e, como às vezes parece acontecer, tinha um livrinho especial esperando por mim nas prateleiras, de um escritor querido: Livro de Receitas para Mulheres Tristes, do colombiano Héctor Abad Faciolince. Já falamos do escritor neste post, e aproveito para compartilhar com vocês mais esse achado literário. Tenho certeza que pode trazer um pouco de leveza para o domingo existencial de muita gente. Boa segunda!
“Nas tardes de chuva fina e persistente, se o amado estiver longe e o peso invisível de sua ausência for insuportável, colha de sua horta 28 folhas de melissa e leve-as ao fogo num litro d’água, para um chá. Quando a água ferver deixe o vapor molhar a polpa de seus dedos e mexa três vezes com uma colher de pau. Tire do fogo e deixe descansar por dois minutos. Não ponha açúcar, beba gole a gole de costas para a tarde, numa xícara branca. Se depois de meio litro você não notar certo alívio atrás do esterno, requente o chá e acrescente duas colheres de raspas de rapadura. Se no fim da tarde a agonia persistir, pode ter certeza que ele não vai voltar. Ou vai voltar outra tarde, e já muito mudado”.
on Belas Artes
Georgia
O’keeffe nasceu em 1887 nos Estados Unidos e faleceu em 1986. É considerada o
nome do modernismo norte-americano. Sua obra retrata a paisagem da fazenda Sun
Prairie, com cores e formas inovadoras e dançantes. Cores para inspirar o nosso
domingo de sol.
Uma
constante nos temas de O’keeffe são as flores, representadas sob uma luz de
difusa que nos remete a uma imagem de sonho.
Deixo a
vocês um trecho do conto A Filha do
Mazorqueiro, de incrível força narrativa, da escritora latino-americana
Juana Manuela Gorriti, publicado na coletânea Contos de Amor do Século XIX, da editora Cia das Letras. Bom fim
de semana!
“A mãe uniu as mãos e contemplou com
religiosa admiração aquela belíssima jovem cujo véu branco, enrolado como uma
auréola em torno de seu rosto, parecia iluminar as trevas que a cercavam e que,
debruçada sobre seus filhos como o gênio da misericórdia, cobria-os com um
olhar de ternura e dor. A pobre mulher acreditava ser ela um anjo que descera à
Terra atendendo a seus rogos; e, imóvel, temia que um gesto, um sopro,
desmanchasse a divina visão, devolvendo-a à terrível realidade. E quando Clemência
se aproximou de seu leito, a simples filha do povo estendeu ansiosamente a mão
para tocar as dela e se convenceu de que não era uma aparição sobrenatural”.