Drummond
dizia precisar do Outro, chamava os companheiros para um abraço, fez um poema
sobre dar as mãos e viver sempre em unidade. Eu, ao contrário do poeta, tenho
medo do Outro. Ele que está sempre à espreita, pronto para gritar, agredir,
invadir, punir. Hoje eu não quero o Outro. Hoje eu quero apenas a beleza de um
bom poema. O Outro que fique por aí, solto no mundo, com suas queixas e
palavras de infelicidade. Aqui neste universo azul que é o meu quarto, sob os
lençóis impregnados com o cheiro do descanso, os lírios que morrem com o passar
sensível dos minutos, eu só preciso de mim mesma e dos sonhos de uma Pasárgada
distante. O que a gente faz quando está “triste de não ter mais jeito”? Boa
semana a todos!
Vou-me Embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
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