Archive for maio 2012

Quintanilha

mai
2012
31

on

No comments

Para melhorar a saúde, poesia em pequenas doses diárias.


Por Mário Quintana
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

O Peso da Realidade

mai
2012
29

on

1 comment

Queridos, estou com uma crise de sinusite bem severa. Perdoem-me a ausência.



A obra é do pintor surrealista Salvador Dalí.

O Bosque Encantado de Amós Oz

mai
2012
28

on

No comments


Já falamos sobre o escritor Amós Oz neste post. Hoje vamos apresentar o romance De repente, nas profundezas do bosque, que foi escrito para o público infanto-juvenil. Não é, definitivamente, uma obra ingênua e pode ser lido por adultos sem qualquer prejuízo à qualidade da literatura. O enredo retrata uma aldeia onde não há qualquer animal e na qual as crianças estão proibidas de manter contato com um bosque vizinho. Mati e Maia resolvem transpor essa barreira e descobrir o que há, afinal, nas profundezas do bosque. Uma linda história para fazer refletir sobre termas como intolerância, discriminação e obscurantismo.




Mati e Maia devoraram com os olhos aquelas maravilhas todas, e não conseguiam desviar o olhar, fascinados com os crocodilos e suas couraças quadriculadas na margem da piscina, com os macacos, esquilos, papagaios em festa, a fazer travessuras entre os galhos das árvores que ofereciam beleza, e das árvores que ofereciam frutos. E o bater de asas dos pardais e o arrulhar dos pombos difundiam uma suavidade por toda a extensão do jardim, nos riachos, nos prados, nas copas das árvores, tudo estava envolto por uma cobertura profunda, quente e ampla tranquilidade, uma tranquilidade de outro mundo”. (OZ, Amós. De repente nas profundezas no bosque, pg. 95)

Pintura americana: as cores de Winslow Homer

mai
2012
25

on

No comments


Winslow Homer nasceu em Boston, no ano de 1836, e faleceu em meados do século XX. Um de meus artistas favoritos, é autor de uma pintura leve, de matiz impressionista, capaz de nos levar a terras de sonho. Passou uma temporada de observação em Paris e recebeu influências de Manet e sua geração, o que pode ser percebido pela forma com que representa a luz natural em suas obras.



Uma constante na pintura de Homer são as atormentadas cenas marinhas, de um azul profundo muito bonito.


Balzaquianas: A Mulher e a Maturidade

mai
2012
23

on

No comments


No romance A Mulher de Trinta Anos, Balzac nos conta a história de Julie d’Aiglemont, na passagem de sua adolescência à maturidade. O enredo começa com o nascimento do afeto de Julie por Victor, homem que se tornará o seu marido a contragosto do pai da moça, que anteviu um futuro sombrio para o casal. A Julie casada vai aprender a viver em sua condição de mulher, à sombra de um marido estúpido e vaidoso, que lhe cansará logo nos primeiros anos. É curioso perceber as estratégias utilizadas pela personagem – ainda que inconscientemente – para permanecer acreditando em seu ideal romântico de amor.




O escritor francês foi um grande construtor de personalidades femininas em suas histórias, sendo Julie uma das muitas referências desse universo histérico e voluntarioso criado por Balzac. Ler A Mulher de Trinta Anos, guardadas as devidas proporções, é como assistir a uma novela das oito: uma protagonista fadada a um casamento triste, um amor impossível, elementos tragicômicos, o conflito moral. Não posso dizer que me identifiquei com os dramas pessoais de Julie, mas com certeza me diverti muitíssimo lendo este que é um típico romance francês do século XIX. Não é o melhor Balzac (e tenho que concordar com o Berthier), mas é um livro bom de ser lido, especialmente para as leitoras.
 


“A condessa de Sérisy era uma daquelas mulheres que pretendem exercer uma espécie de domínio sobre a moda e sobre a sociedade em Paris; ela ditava decretos que, recebidos no círculo em que reinava, pareciam-lhes adorados universalmente; tinha uma pretensão de dizer a última palavra; era soberanamente juíza” (BALZAC, Honoré. A Mulher de Trinta Anos. São Paulo: Estação Liberdade, 2000, pg. 67)

Preto e Branco de Chuva: Doisneau

mai
2012
23

on

1 comment


Hoje o dia em Fortaleza amanheceu com uma chuva muito forte e agora o vento está fresco, o céu sem sol, só um ar úmido que deixa a tarde mais lenta e melancólica, mas uma melancolia boa de dia chuvoso.  Em homenagem a esse sentimento deixo a fotografia do francês Robert Doisneau, que retratou um mundo mais leve que o nosso.




Boa quarta-feira para os que amam e para os que querem amar.


Solidão e Ausência em Drummond

mai
2012
22

on

3 comments

A solidão não é ruim em si mesma, é apenas a companhia para aqueles que não temem o próprio reflexo no espelho.


Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Malas Prontas para Pasárgada

mai
2012
21

on ,

No comments


Drummond dizia precisar do Outro, chamava os companheiros para um abraço, fez um poema sobre dar as mãos e viver sempre em unidade. Eu, ao contrário do poeta, tenho medo do Outro. Ele que está sempre à espreita, pronto para gritar, agredir, invadir, punir. Hoje eu não quero o Outro. Hoje eu quero apenas a beleza de um bom poema. O Outro que fique por aí, solto no mundo, com suas queixas e palavras de infelicidade. Aqui neste universo azul que é o meu quarto, sob os lençóis impregnados com o cheiro do descanso, os lírios que morrem com o passar sensível dos minutos, eu só preciso de mim mesma e dos sonhos de uma Pasárgada distante. O que a gente faz quando está “triste de não ter mais jeito”? Boa semana a todos!


 

Vou-me Embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira




Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei




Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive




E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada




Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar




E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

As Maravilhas da Turquia: Orhan Pamuk

mai
2012
19

on

No comments


O escritor turco Orhan Pamuk ganhou o prêmio Nobel de literatura em 2006. Autor do célebre romance Neve, Pamuk é dono de uma prosa muito elegante, sofisticada, apesar de simples, além de ótimo ensaísta. Daqueles escritores que parecem “conversar” com quem os lê. O romance de estreia do autor foi O Castelo Branco, publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras, responsável pela tradução de Pamuk para o português. Passei a semana acompanhada da história, que se passa no século XVII e narra o aprisionamento de um estudioso italiano por uma esquadra turca. O narrador-personagem torna-se escravo e, graças aos seus conhecimentos sobre ciência, é dado de presente pelo Paxá a Hoja, astrônomo e estudioso respeitado pela aristocracia de Istambul. O romance é, basicamente, um retrato da relação entre os dois, o cristão e o turco, a relação de duas culturas, o conflito entre universalidade e localidade: o que atormenta Hoja é saber, afinal, se os “outros” – no caso, os cristãos – sofrem, pecam, vivem como os fiéis. Um livro bastante comovente, que recomendo a todos que gostam de um bom romance histórico. Para tempos de diálogos inter-raciais.




“E finalmente chegamos a um ponto onde se via o castelo. Erguia-se no alto de um morro bem elevado; a luz enviesada do sol poente tingia de um vermelho desbotado os estandartes hasteados nas suas torres. E era branco; imaculado e belo. E não sei por que me ocorreu que só em sonho se poderia  imaginar uma coisa tão linda e inacessível. Nesse sonho, você sobe por uma vereda sinuosa que atravessa uma floresta densa, correndo para tentar alcançar aquela massa de luz cegante erguida no topo, aquele edifício de marfim; como se ali o esperassem prazeres que você não quer perder, uma oportunidade de ser feliz que não quer deixar acabar.” (PAMUK, Orhan. O Castelo Branco, Cia das Letras, 2007, pg 177)

A Caminho de Veneza: Joseph Brodsky

mai
2012
18

on

4 comments


Amigos, desculpem esses dias de ausência, mas é que o coração deste blog anda batendo mal e em ritmo fraco, numa melancolia existencial sem tantas explicações. Deixo, como estímulo aos que querem estar em outro lugar, um trecho da obra Marca d’Água, de Joseph Brodsky. O livro é um relato de viagem a Veneza e faz parte da coleção da Cosac Naify sobre visitas a lugares distantes. Afinal, para alguns, Veneza descrita nas artes plásticas e na literatura é um lugar mítico que nunca chegará. O que melhor que uma viagem para nos libertar do que somos por alguns instantes?  Bom fim de semana!




“Muitas luas atrás, o dólar valia oitocentas e setenta liras e eu tinha trinta e dois anos. O globo, também, era mais leve dois bilhões de almas, e o bar da stazione, aonde eu tinha chegado naquela fria noite de dezembro, estava vazio. De pé, esperava que a única pessoa que eu conhecia na cidade viesse me encontrar. Ela estava bastante atrasada.

Todo viajante conhece essa situação: mistura de cansaço e apreensão. É a hora em que se olha para os mostradores do relógio e para os quadros de horário, se examina o mármore varicoso sob seus pés, se inala amônia e esse cheiro sombrio produzido, nas noites frias de inverno, pelo ferro fundido das locomotivas. Fiz isso tudo.” (BRODSKY, Joseph. Marca d’água, tradução de Júlio Guimarães, São Paulo, Cosac Naify, 2006, pg. 90)

Dá-me tua mão, companheiro!

mai
2012
16

on

No comments

O mineiro Carlos Drummond de Andrade é autor de uma obra poética que se divide em várias fases, identificadas com a própria conquista da maturidade intelectual e emocional do poeta. Na década de 40 do século XX, o mundo vivia a grande tragédia da guerra, e as questões sociais não ficaram alheias à percepção do autor. O poema que trago hoje, célebre e emocionado, é inserido nesse período em que Carlos diz precisar dos homens, em que todos devem dar as mãos, num ato de solidariedade. O poeta se afasta do lirismo dos amores e das intimidades do espírito e se engaja na luta social. Uma boa quarta-feira a todos!



Mãos Dadas
Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

O Colorido de Di Cavalcanti

mai
2012
15

on

3 comments

A Companhia de Neruda

mai
2012
14

on

No comments

Segunda-feira é um dia normalmente muito difícil. Muita exigência de vida e pouca emoção. Só há salvação na poesia que, no meio do dia, nos acode.



 


Por Pablo Neruda

Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em taltal não amanhece ainda a primavera.
Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações
tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa cravos.

Os perigos de um prefácio

mai
2012
12

on

1 comment


Poucas coisas são tão perigosas quanto um prefácio. Se bem escrito, o texto introdutório pode ajudar o leitor a compreender melhor a obra e o seu autor, ambientando-o nas temáticas que se vai encontrar ao longo do percurso e apresentando algumas referências culturais necessárias à compreensão do texto. Se mal escrito, o prefácio pode desestimular o leitor, introduzir preconceitos, antecipar a emoção que só a leitura da própria obra deveria provocar.




Resolvi escrever este post por conta de um péssimo prefácio que me impediu de ler o romance A Mulher de Trinta Anos de Honoré de Balzac na adolescência. O prefácio de autoria de Philippe Bertier, intitulado “Deus Escreve Certo por Linhas Tortas”, começa com as seguintes palavras: “os defeitos de A Mulher de Trinta Anos saltam aos olhos e já foram por demais salientados para que neles nos detenhamos”. Ao ler o começo do romance, não deu outra, não consegui concentrar na leitura, só pensando que a obra é “defeituosa” e lembrando o prefácio. Hoje, resolvi recomeçar com o livro, comprando uma nova edição, publicada pela Editora Estação Liberdade, a fim de esquecer o passado. Eis que lá estava o maldito texto de Bertier assombrando a minha leitura. Passei adiante, esquecendo a análise crítica do francês e indo direto ao texto de Balzac. Quando acabar, digo a vocês o que me pareceu o romance e se as palavras de Bertier são, de fato, justas.
 


Amigos leitores, muito cuidado com os prefácios, pois eles podem ser os maiores inimigos da leitura! O melhor é deixar para ler o prefácio depois e tomar as suas próprias decisões sobre a qualidade do texto.

A Poesia do Concreto: Kengo Kuma

mai
2012
12

on ,

No comments





Kengo Kuma nasceu em Yokohama, Japão, no ano de 1954 e é um dos arquitetos mais cultuados do mundo oriental. Professor na Universidade de Tóquio, Kuma é o responsável por projetos que adotam a simplicidade e a simetria como características principais, recriando sua arquitetura a partir do rígido senso estético japonês. Suas linhas são muito bonitas e contemporâneas.




Uma sala de banhos para meditar e sonhar.




Quando a arquitetura é tão bela quanto poética.

As fotografias são do site oficial do escritório de Kuma, onde é possível encontrar todo o seu portfólio.

Na Pele de Katherine Mansfield

mai
2012
11

on

No comments


Katherine Mansfield, escritora neozelandesa nascida em 1888, foi uma grande inspiração de Clarice Lispector. Exímia contista, Mansfield buscou material para os seus escritos em pequenos acontecimentos do cotidiano. Uma leitura intimista e de grande qualidade! A escritora é publicada no Brasil pela Editora Cosac Naify. Deixo um trecho do conto Srta. Brill. Boa sexta a todos vocês.


 


“Embora estivesse radiantemente bom – um céu azul polvilhado de dourado e grandes manchas de luz como vinho branco derramado sobre os Jardins Publiques – a srta. Brill estava contente por ter se decidido a usar sua pele. O ar estava imóvel, mas quando se abria a boca, havia apenas um vago calafrio, como o calafrio de um copo de água gelada antes de se beber, e volta e meia aparecia uma folha vagueante – vinda de nenhures, do céu. A srta. Brill ergueu a mão e tocou sua pele.”


Celebrando a Cor: Pierre-Auguste Renoir

mai
2012
10

on

No comments


As cores do célebre representante do Impressionismo francês, Pierre-Auguste Renoir, para alegrar e trazer textura ao nosso dia!


O Amor do Poetinha: Vinícius de Moraes

mai
2012
09

on

No comments




“Meu amor, meu amor, meu amor, que carinho tão bom por você, quantos beijos alados fugindo, quanto sangue no meu coração! Ah, se fosses louca por mim, eu saía correndo de súbito, entre o pasmo da turba inconsútil. Eu dizia: Ai de mim! eu dizia: Woe is me! eu dizia: Hélas! pra você...Tanta coisa eu diria, que não há poesia de longe capaz de exprimir. Eu inventava linguagem, só falando bobagem, só fazia bobagem, meu bem. Ó fatal pentagrama, ó lomas valentinas, ó tetrarca, ó sevícia, ó letargo! Mas não há nada a fazer, meu destino é sofrer: e seria tão bom não sofrer. Porque toda a alegria tua e minha seria, se você fosse louca por mim”

(Vinícius de Moraes, Chorinho para amiga, in Para uma menina com uma flor. São Paulo: Cia das Letras, 2009, pg. 26)

Sabedoria de Cícero

mai
2012
08

on

1 comment

A Carta do Coronel: García Márquez

mai
2012
08

on

No comments

Gabriel García Márquez constrói suas obras a partir de um leque de personagens e locais que dialogam entre si, criando um mundo fantástico particular, mas profundamente marcado pelas cores da América Latina. A cidade de Macondo, por exemplo, inspirada em sua terra natal, está presente em diversas obras, ainda que só como uma referência mítica, assim como o coronel Aureliano Buendía, personagem de Cem Anos de Solidão. Esta semana tive a oportunidade de ler uma das obras de estreia do escritor, Ninguém escreve ao coronel, escrita nos seus vinte e poucos anos. Na história, o Coronel é coadjuvante de um personagem peculiar: um galo de rinha, que determina todo o desenrolar dos fatos. Após a morte de seu filho por questões políticas, o Coronel, em condições de pobreza extrema, passa a cuidar do galo de seu filho morto, a fim de apresentá-lo a uma disputa para dali a um ano. A motivação é moral: o filho foi alvejado numa rinha, com o galo debaixo do braço, quando preparava para disputar.


A história é comovente e o estilo que o escritor maduro levaria à perfeição já está presente: uma prosa direta, fluente, a perfeita descrição da miséria do mundo latino em sua burocracia e política. Como só é permitido a um personagem de Gabriel fazer, o Coronel espera uma carta há quinze anos e semanalmente vai até o posto de correspondência, com precisão de relógio, esperar pela bendita carta. Vale a leitura!



“O administrador entregou-lhe a correspondência. Tornou a colocar o resto na sacola, fechando-a. O médico dispôs-se a ler as cartas pessoais. Antes de abrir um envelope, porém, olhou para o Coronel. Depois para o administrador.
            - Nada para o Coronel?
            Este sentiu o terror. O funcionário atirou a sacola ao ombro, desceu o embarcadouro e respondeu sem voltar a cabeça:
            - Ninguém escreve ao Coronel.” (pg.35, 2011)

Duetinho Brasileiro: Chico e Nara

mai
2012
07

on

No comments






Dueto

Consta nos astros, nos signos, nos búzios

 Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás

 Serás o meu amor, serás a minha paz

 Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas

 Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais

 Serás o meu amor, serás a minha paz

 Mas se a ciência provar o contrário, e se o calendário nos contrariar

 Mas se o destino insistir em nos separar

 Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas

 Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos

 Profetas, sinopses, espelhos, conselhos

 Se dane o evangelho e todos os orixás

 Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz

 Consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela

 Está no seguro, pixaram no muro, mandei fazer um cartaz

 Serás o meu amor, serás a minha paz

 Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis

 Consta nos Ovnis, no Pravda, na Vodca

A Diversão de Fred e Audrey

mai
2012
06

on ,

No comments




O que pode ser mais leve que um musical dos anos cinquenta que tem Fred Astaire e Audrey Hepburn como protagonistas? O filme Funny Face (Uma Cinderela em Paris) é um deleite para os olhos e para o coração. No enredo, Fred Astaire faz o papel de Dick, fotógrafo de moda charmoso que descobre Jo (Audrey Hepburn) numa livraria empoeirada de Nova York.  Dick é o responsável por ver a beleza oculta no divertido rosto de Jo, apagada como vendedora de livros sem estilo. Audrey/Jo será lançada como o próximo rosto da moda em Paris. Vale notar a admirável Kay Thompson no papel da divertida editora de moda Maggie Prescott. Para assistir muitas e muitas vezes!


 

Amizade de Letras: Fernando e Clarice

mai
2012
05

on

2 comments


A dica de hoje é para quem gosta de ler cartas. Cartas trocadas entre escritores. Fernando Sabino e Clarice Lispector foram grandes amigos e fizeram parte de uma geração que se espalhou mundo afora, gerando uma enxurrada de cartas íntimas, de amizade, de dúvida, que são um deleite de ler. A Editora Record publicou a obra Cartas perto do coração, com uma coletânea de cartas trocadas entre Fernando e Clarice. É como estar conversando com os escritores, compreendendo seus desafios, suas dificuldades, percebendo o homem e a mulher sob os artistas. Eu suspeito (e descobri que o professor Raul, que também leu o livro, ficou com a mesma impressão) que Clarice e Fernando tinham uma paixonite escondida. O que importa, efetivamente, é a leitura, a boa leitura das palavras doces e amistosas de cada um deles. Bom sábado!





“Por ora preciso que você me escreva, preciso que você mande notícias suas, que você diga que não ficou zangada comigo por causa do meu silêncio e conte bastante coisas daí. Para que eu saiba afinal se você continua vivendo, se continuamos vivendo, porque viver é de graça, de favor, ninguém pediu licença para nascer nem pagou entrada no mundo, e já que não temos a quem agradecer tanta gentileza, agradeçamos mutuamente. Muito obrigado, Clarice”.

O Céu de Frederico: Cândido de Carvalho

mai
2012
04

on

1 comment


O escritor José Cândido de Carvalho,  carioca nascido em 1914, é autor de uma obra-prima da literatura regionalista, O Coronel e o Lobisomem. Pouco conhecido pelo grande público, merece um lugar especial no coração deste humilde blog, que o descobriu por acaso, há uns anos, numa tarde tediosa de domingo na livraria. Hoje gostaria de falar do romance de estreia do autor (e o meu preferido, sem dúvida), chamado Olha para o céu, Frederico!



O personagem principal, Frederico, um rico fazendeiro do interior de Campos, é retratado a partir do narrador, seu sobrinho, que desde criança passa a viver sob seus cuidados, observando o desenvolvimento da personalidade arredia e autoritária do tio. Ao longo da trama, é possível perceber como a história da vida de Frederico acaba retratando uma série de costumes e práticas do campo no Brasil, desta aristocracia que nasce da riqueza produzida pelo plantio da cana. O título se deve ao fato de que Frederico não é temente a Deus e se encontra excessivamente ligado às coisas da terra, como nos diz o Padre Hugo. A linguagem de Cândido de Carvalho é leve, regional, fácil de ser compreendida, ao contrário daquela utilizada em O Coronel e o Lobisomem, que, apesar de primorosa, exige atenção e energia especiais para avançar na leitura. O autor é publicado pela (excelente) editora José Olympio e pode ser encontrado com relativa facilidade nas grandes livrarias, escondido entre as prateleiras. Boa dica de sexta para vocês.



“A força de Frederico era de outro jeito. Não tinha olhos para as belezas de dona Lúcia, nem perdeu tempo com os veludos e os brasões do São Martinho. Suas raízes vinham do barro. Só teve carinho para o açúcar que saía das suas tachas. Padre Hugo falava, gastava a língua para meter na cabeça de meu tio exemplos de santos, de são Francisco de Assis ou de são Sebastião todo flechado. Gritava, pedia:

            - Frederico, olha para o céu, olha para os santos!”

A Poesia do Cansaço: Álvaro de Campos

mai
2012
03

on

No comments



Não, não é cansaço
Fernando Pessoa (ou Álvaro de Campos)

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Dançando no ar...

mai
2012
02

on ,

1 comment


Sempre que assisto a este comercial da Air France vou para tão longe, que não pude deixar de compartilhar com vocês esse minuto de pura beleza. Bons sonhos!

Romance Moderno: Amar, Verbo Intransitivo

mai
2012
02

on

2 comments

Pode-se dizer que Amar, verbo intransitivo de Mário de Andrade é o primeiro texto em prosa tipicamente moderno produzido no Brasil. O português é coloquial, leve, do cotidiano. A técnica narrativa é eclética: a própria voz do narrador se altera ao longo da trama. O tema, um escândalo: um pai da alta burguesia paulistana que contrata uma mulher para conduzir a iniciação sexual de seu filho adolescente. Elza, a Fräulein alemã que assume o papel de governanta, é chamada (em segredo) por Sousa Costa para apresentar Carlinhos ao mundo do sexo, da sedução, da vida adulta. É curioso perceber como a relação de Elza e Carlinhos se desenvolve, o nascimento dos afetos. Fräulein Elza, rígida em sua dignidade de professora, encanta. Carlinhos, com suas experiências guardadas, surpreende. Um idílio para nossas leituras. Afinal de contas, pouco importa o objeto do nosso amor, o amor existe por si, é intransitivo.






“Principiou não querendo mais sair de casa. De primeiro era o dia inteirinho na rua, futebol, lições de inglês, de geografia, de não-sei-que-mais e natação, tarde com os camaradas e inda por cima, depois da janta, cinema. Agora? Vive na saia de Fräulein. Sempre desapontado, que dúvida! Mas porém na saia de Fräulein. Sorri aquele sorriso enjeitado, geralmente de olhos baixos, cheios de mãos. De repente fica a moça na cara destemido pedindo. Pedindo o quê? Vencendo. Fräulein se irrita: sem-vergonha!”





P.S. Aos que desejam adquirir o livro, uma dica. A edição mais recente, publicada pela Record, tem outra capa, rosada. Optei por apresentar a que vai acima pois me lembra da escola, quando li o romance pela primeira vez, com essa capinha em tons de bege, que acho muito bonita.

Samba Tristonho

mai
2012
01

on

1 comment

A triste música na voz de João Gilberto, em homenagem aos que, como eu, vivem atormentados pela solidão.








A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite, a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora
A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite e a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora
O samba ainda vai nascer
O samba ainda não chegou
O samba não vai morrer
Veja o dia ainda não raiou
O samba é o pai do prazer
O samba é o filho da dor
O grande poder transformador

Os Horrores de Moureau: H. G. Wells

mai
2012
01

on ,

No comments

Poucos gêneros são tão bons de ler e recreativos como a ficção científica. Para quem não é iniciado nessa literatura, as obras de H.G Wells, inglês nascido em 1866, são muito bem construídas e valem a leitura. O autor de A Máquina do Tempo conseguiu se superar com o romance A Ilha do Dr. Moureau, que li na semana passada, de um fôlego só. Escrito em 1896, a obra retrata a história de Prendick, um náufrago resgatado que acaba aportando na ilha onde o cientista Moureau faz suas experiências genéticas. Não vou estragar a graça da leitura revelando o quê  Prendick encontra na ilha perdida, mas para quem quiser matar a curiosidade, vale assistir ao trailer do filme, que tem Marlon Brandon no papel do terrível Dr. Moureau. O filme é uma livre adaptação da obra escrita no século XIX, razão pela qual se deve diferenciar a literatura do cinema com bastante cuidado (impossível imaginar o personagem Montgomery na pele de Val Kilmer). É especialmente interessante perceber como a anomia se instala a partir da destruição da autoridade do líder. Apesar de toda essa discussão de fundo, é uma leitura excelente. Literatura para divertir (e arrepiar)!








“Além disso, sou um homem religioso, Prendick, como qualquer homem equilibrado. Penso que investiguei os desígnios do nosso Criador melhor do que você, porque mergulhei no estudo de suas leis, enquanto você, pelo que sei, colecionava borboletas. E vou lhe dizer, prazer e dor não tem nenhuma relação com o céu e o inferno. Prazer e dor...bah! O que são os êxtases dos teólogos, senão as huris prometidas por Maomé? A importância que homens e mulheres dão ao prazer  e à dor, Prendick, é a marca do animal sobre eles, a marca do bicho que um dia fomos. Dor! Dor e prazer...existem para nós apenas enquanto nos espojamos no pó”. (WELLS, H.G. A Ilha do Dr. Moureau, tradução de Braulio Tavares. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, pg. 98)