Archive for 2012
on Reflexos
Meus
amigos queridos, uma vez por ano temos uma permissão que não se pode
negligenciar: podemos ser absurdamente otimistas em relação ao futuro,
acreditar que todos os nossos planos se tornarão realidade e que, no ano que
chega, a vida será mais colorida e feliz. Desejo que a esperança de tempos
melhores sobreviva no espírito de todos, porque, hoje, sim, todos nós podemos
ser alegres sem culpa. Que 2013 seja melhor, que a vida seja mais musical, que
os amores mais doces e os amigos mais felizes. Um beijo da família do Ler para
Contar em todos. :)
P. S. O gato
feliz é do artista italiano Inos Corradin.
Que
imensas surpresas a vida pode nos trazer quando menos esperamos! Saulo saiu de
casa ontem com destino a uma loja de vinis no Centro, onde ele costuma garimpar
os seus discos. E eu, sem qualquer expectativa, pedi que ele trouxesse algo pra
mim. Ele me chega em casa com uma dezena de discos, cinco deles para mim:
Vinícius, Toquinho, mais Vinícius, João Gilberto. Um deles, uma preciosidade: o
disco La voglia, la pazzia, l’incoscienza,
l’allegria, que reúne Vinícius de Moraes, Toquinho e a cantora italiana
Ornella Vanoni. Quanta delicadeza! ;) Recomendo muitíssimo a todos que gostam
de bossa nova.
“Eu tive tanto medo de começar este disco.
Medo de começar alguma coisa que se ama e que forçosamente tem que terminar.
Porque ser muito feliz faz chorar, e isso tornou-me uma covarde. Eu queria muito
saber onde estão aqueles dois, enquanto eu escrevo estas coisas.
Ornella”
on Belas Artes
Resolvi
trazer um trecho de um romance que ainda estou lendo, A Felicidade Conjugal, do escritor russo Liev Tolstói, pela beleza
da descrição de uma tarde de primavera, apresentada logo no início da história.
Lendo as palavras de Tolstói, cheguei a ouvir o som dos rouxinóis e sentir o
frescor da terra molhada em um jardim bem distante, na zona rural da Rússia. A
tradução do russo é de Boris Schnaiderman, Editora 34, Coleção Leste.
“Estávamos
sentadas no terraço, preparando-nos para tomar chá. O jardim já estava todo
verde, e nos canteiros cobertos de vegetação os rouxinóis instalaram-se para
passar todo o mês de junho. As moitas densas dos lilases apareciam como que
polvilhadas de branco e roxo. Eram as flores que se preparavam para
desabrochar. A folhagem na alameda de bétulas era de todo transparente ao pôr
do sol. Havia uma sombra fresca no terraço. O denso orvalho noturno cairia
ainda sobre a erva. No quintal, além do jardim, ouviam-se os derradeiros sons
do dia, o barulho do rebanho tangido de volta; o pateta Níkon passava com um
barril pelo caminho diante do terraço, e um jato de água fria, saindo em
círculos do regador, enegrecia a terra revolvida junto aos caules das dálias e
suas estacas.”
(Referência, página 18)
Na cultura cristã, o dia 25 de dezembro
é celebrado como o nascimento simbólico da esperança de um novo tempo, um tempo
de paz e de tolerância. O Ler para Contar é um blog laico, mas consciente de
que não se pode libertar facilmente de uma cultura milenar, que permeia não só
o nosso discurso, mas nosso olhar sobre o mundo e sobre o outro. Por isso,
achamos que é possível aproveitar o espírito festivo que dezembro traz – um
espírito que representa a esperança de um tempo melhor – para desejar a todos
um bom renascimento. Que em 2013 sejamos capazes de nos emocionar mais com o
belo e de perceber a nossa dignidade como o reflexo da dignidade presente em
cada um. Sejamos mensageiros de uma cultura de paz, de respeito e de tolerância, não por força
de um mandamento celeste, mas em virtude da divindade presente, como potência, em todos
nós: a suprema virtude de ser capaz de escolher fazer o certo. Um abraço!
on Reflexos
É
meio-dia de uma sexta-feira que não me promete coisa alguma. Um dia tranquilo,
quente (como faz calor em Fortaleza nos últimos dias!), modorrento. Há duas
semanas não leio literatura (com exceção de umas páginas soltas do romance Amor, de novo, da Doris Lessing, que já
li faz uns anos). Isso se deve a uma absoluta falta de ritmo para tarefas
intelectuais (não posso dizer que é cansaço, é desconcentração): a tese também
está um pouco parada desde segunda. Essa lentidão para os afazeres, a não
produtividade, é também uma aceleração, no sentido de que estive excessivamente
ligada ao mundo virtual nas últimas semanas, uma dependência doentia do celular,
do Facebook, das consultas sem propósito ao instagram, a cabeça funcionando
freneticamente, como se milhares de pessoas estivessem numa mesma sala, falando ao mesmo tempo, sem se ouvir.
Esses hábitos geram uma sensação de urgência que nos consome em ansiedades e nos deixa, ao mesmo tempo, letárgicos, sem conseguir fazer coisa alguma. Ontem fui à livraria comprar uns presentes de natal e voltei com dois livros para mim: uma peça do Nelson Rodrigues (Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária) e uma coletânea de contos do Lúcio Cardoso, autor maravilhoso que está sendo republicado por ocasião do centenário de seu nascimento.
Meu propósito para hoje é: aproveitar minha própria companhia, conversar com as palavras do Lúcio, ouvir o ronronar do Bob, o gato leitor, deixar o celular na bolsa. Como eu disse a minha amiga Mariana, que trabalha com redes sociais (o celular é quase uma extensão do seu corpo), eu não tenho saúde mental suficiente para viver conectada o dia inteiro. Bom fim de semana, amigos!
Esses hábitos geram uma sensação de urgência que nos consome em ansiedades e nos deixa, ao mesmo tempo, letárgicos, sem conseguir fazer coisa alguma. Ontem fui à livraria comprar uns presentes de natal e voltei com dois livros para mim: uma peça do Nelson Rodrigues (Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária) e uma coletânea de contos do Lúcio Cardoso, autor maravilhoso que está sendo republicado por ocasião do centenário de seu nascimento.
Meu propósito para hoje é: aproveitar minha própria companhia, conversar com as palavras do Lúcio, ouvir o ronronar do Bob, o gato leitor, deixar o celular na bolsa. Como eu disse a minha amiga Mariana, que trabalha com redes sociais (o celular é quase uma extensão do seu corpo), eu não tenho saúde mental suficiente para viver conectada o dia inteiro. Bom fim de semana, amigos!
Estou no modo “economia de energia” por uns dias, amigos. Espero que vocês me perdoem. Deixo-os com uma música feliz.
on Cinema
Na maior parte do tempo, eu me sinto como a Charlotte do filme Encontros e Desencontros (Lost in translation). Achei que valia a pena trazer a conversa dela com o Bill. Cheia de trabalho aqui, perdoem a falta da literatura.
on Literatura Brasileira, Reflexos
Há um
poema do Carlos Drummond de Andrade em que ele fala sobre a necessidade do
outro. Que a exposição crua de sua intimidade (a maior intimidade que existe, a
das ideias) provocada palavra escrita é uma forma de estar perto, de dizer: “eu
preciso de você, venha até mim”. Escrever é, sobretudo, um modo de elaborar a
fantasia: torná-la real pelo desejo, organizá-la pela palavra, depois ir desconstruindo
lentamente aquelas que nunca poderão sair do papel. E como há ideias que são só
devaneios! Que nos matariam se ganhassem vida própria. Como diz o Drummond, as ilhas perdem os homens! Hoje estou
explodindo com algumas delas. Quase sem respirar. Os pensamentos se seguem em
uma velocidade incrível. E todo esse furacão é um fenômeno silencioso, íntimo,
desorganizado. Felizmente amanhã será um dia cheio de outros, outros que estarão do lado de fora, o lado da rua, o lado
mais fácil de administrar.
Mundo
Grande
Carlos
Drummond de Andrade
Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos.
Amigos,
que dia feliz! Hoje é a comemoração do centenário de nascimento de Luiz Gonzaga,
o rei do baião, mestre da música popular nordestina. A sonoridade do Gonzagão
só me faz lembrar festa junina, quadrilha, canjica e as muitas cores das
bandeirinhas na noite estrelada. É uma música riquíssima, em ritmo e poesia, e
vale a pena passar o dia ouvindo o mestre hoje. Para quem se interessa pela história e pela riqueza cultural do mestre Gonzaga, a Universidade Federal do Ceará
tem como professora Sulamita Vieira, de quem tive a honra de ser aluna, uma das
antropólogas que mais estudam o material musical e humano deixado pelo mestre. Saulo, que não
é bobo, partiu ontem de Fortaleza rumo a Exu, cidade natal de Luiz Gonzaga,
para participar (e fotografar também) das festividades em comemoração ao
centenário, que vão durar uma semana. Depois vou pedir para compartilhar um
pouquinho das fotos aqui. Deixo vídeos com duas das minhas músicas favoritas. ;)
Vamos
dançar com o Lua? Chamando a quadrilha, Chico Anysio.
Uma da
manhã. Ainda lutando com as ideias sobre democracia e poder constituinte.
Como boa parte dos leitores deste blog já estão de férias e felizes da vida, pensando (os sortudos!) apenas sobre literatura e os seus amores, deixo-os
com uma música linda nesta quarta-feira.
POEMA DOS OLHOS DA AMADA
Vinícius de Moraes
Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas era
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.
on Cinema
O que
você faria se, por um acidente do destino, ficasse a 91 cm do seu próprio
corpo? A animação Skhizein, dirigida pelo francês Jéremy Clapin, conta a
melancólica história de Henry, que, após ser atingido por um meteorito, precisa
readaptar a vida para dar conta do distanciamento de si mesmo. É uma linda
metáfora sobre a inadequação, sobre a dificuldade de viver quando nos sentimos longe
do que fomos um dia. O filme me foi indicado pelo amigo Lucas Carvalho, a quem
agradeço pela lembrança. O Ler para Contar se faz não só de referências minhas,
mas dos amigos que me ajudam a cada dia. Um abraço em todos!
on Leitura
A
literatura nos ajuda a ampliar nosso olhar sobre o mundo e, por consequência,
sobre nós mesmos. Acabei de ler um trecho do livro A Louca da Casa, de Rosa Montero, que sintetiza muito bem o papel “libertador”
da leitura e, também, da escrita. Achei que valia a pena compartilhar. Bom
domingo, amigos!
“Para
mim, o famoso compromisso do escritor não consiste em engajar suas obras a
favor de uma causa (o utilitalismo panfletário é a traição máxima do ofício, a
literatura é um caminho de conhecimento que precisamos percorrer carregados de
perguntas, não de respostas), e sim em permanecer sempre alerta contra o senso
comum, contra o preconceito próprio, contra todas as ideias herdadas e não
questionadas que se infiltram insidiosamente em nossa cabeça, venenosas como o
cianeto, inertes como o chumbo, más ideias que induzem à preguiça intelectual.
Para mim, escrever é uma maneira de pensar; e deve ser o pensamento mais limpo,
mais livre e mais rigoroso possível”.
on Cinema
Sou uma
grande fã da Audrey Hepburn. Acho que
sua imagem exala delicadeza e frescor. Seu filme mais célebre é, sem dúvida, o Breakfast at Tiffany's, inspirado no
romance de Truman Capote com o mesmo nome. O filme é leve e ingênuo, uma
história de amor, e só de longe lembra o enredo da trama de Capote, que traz a
personagem Holly como uma garota de programa que colabora com a máfia em NY. Esse
não é o meu filme preferido da Audrey Hepburn, mas resolvi trazer a cena de
abertura para vocês porque ontem à noite, com insônia, acabei assistindo a um
dos comerciais da joalheria Tiffanys e Co. São peças publicitárias muito
encantadoras, que fazem referência a uma vida de contos de fadas, justamente
aquela desejada por Holly quando toma seu café às cinco da manhã, observando,
da rua, as vitrines da joalheria. A seguir, o comercial. Um bom fim de semana a todos!
P.S. Acho que as pessoas que pensam esses comerciais deveriam ser presas, por perpetuarem a ideia de que uma vida de conto de fadas pode existir. ;)
on Arquitetura
Há quatro anos leciono direito urbanístico e sempre reservo uma aula para exibir esse documentário para os meus alunos. Muitos deles não sabem quem é o Oscar Niemeyer, alguns jamais pararam para pensar sobre a vida como o Oscar pensou. Muitos deles nunca pararam para perceber mesmo o papel revolucionário que o concreto pode assumir em nossas vidas. Ontem ele partiu e me senti muito triste, como quem perde um avô querido. As lições mais importantes são sobre a vida. Recomendo a todos que assistam ao documentário A Vida é um Sopro, sobre a vida e a obra do Oscar Niemeyer.
Ontem
comecei a reler um dos meus romances preferidos do uruguaio Mario Benedetti: A
trégua. Na história, Martín, um homem de 49 anos prestes a se aposentar, conta
os dias para o momento que considera sua libertação de uma vida de tédio. Sua
vida é cinza, o coração está adormecido, “ressequido”, como diz o próprio
personagem. Martín conhece Laura, uma moça de 24 anos que começa a trabalhar no
seu escritório e descobre que ainda é capaz de sentir vontade de cantar. O enredo
não é algo tão inovador, ou tocante em si mesmo, algo até bem comum nos dias de
hoje, um homem mais velho que se relaciona com uma moça jovem e fresca. Mas,
afinal, o que me faz gostar tanto da história de Martín? De ontem para hoje,
reli o romance – que é curto, umas cento e poucas páginas muito boas de ler – e
acho que descobri: é sua profunda humanidade. A história é tocante justamente
por ser crível, a tristeza de um homem sem perspectivas que precisa lidar com
as dificuldades, as alegrias e as angústias de se apaixonar. E é maravilhoso
descobrir que, afinal, com algumas poucas diferenças, todos nós nos apaixonamos
pelo mesmo caminho. Ah, para os que estão buscando uma história açucarada que
traga a mensagem da redenção pelo amor, talvez não seja o livro. Chorei
muitíssimo ao terminar da primeira vez. Desta segunda, só meu coração chorou um
pouco. De pena. De tristeza. De cansaço. Acho que todos devem ler esse livro,
apesar disso, pela sua beleza simples e humana. Boa quarta!
“Um dia inteiro para nós, do desjejum em
diante. Vim ansioso por verificar, por comprovar tudo. O que aconteceu na
sexta-feira foi uma coisa única, mas torrencial. Tudo passou tão rápido, tão
natural, foi tão feliz, que não pude tomar nem uma só anotação mental. Quando
se está no próprio foco da vida, é impossível refletir. E eu quero refletir,
medir o mais aproximadamente possível esta coisa estranha que me está
acontecendo, reconhecer meus próprios sinais, compensar minha falta de
juventude com meu excesso de consciência. E entre os detalhes que quero
verificar está o tom da sua voz, os matizes da sua voz, desde a extrema
sinceridade até a ingênua dissimulação; está seu corpo, que eu praticamente não
vi, não pude descobrir, porque preferi pagar deliberadamente esse preço em
troca de sentir que a tensão se afrouxava, que seus nervos cediam lugar aos
sentidos; preferi que o escuro fosse realmente impenetrável, à prova de toda
fresta iluminada, para sentir que seus estremecimentos de vergonha, de medo,
que sei eu, se transformassem paulatinamente em outros estremecimentos, mais
quentes, mais normais, mais próprios da entrega.”
Amigos,
são duas da tarde e, depois de um almoço regado a uma leve enxaqueca, sento
diante do computador e penso que ainda falta uma tese para terminar até o fim
de dezembro. Solto um suspiro muito sentido e lembro o poema do Carlos Drummond
de Andrade. É preciso fazer tantas coisas!
POEMA
DA NECESSIDADE
Carlos
Drummond de Andrade
É
preciso casar João,
é preciso
suportar Antônio,
é preciso
odiar Melquíades,
é preciso
substituir nós todos.
É
preciso salvar o país,
é preciso
crer em Deus,
é preciso
pagar as dívidas,
é preciso
comprar um rádio,
é preciso
esquecer fulana.
É
preciso estudar volapuque,
é preciso
estar sempre bêbedo,
é preciso
ler Baudelaire,
é preciso
colher as flores
de que
rezam velhos autores.
É
preciso viver com os homens,
é preciso
não assassiná-los,
é preciso
ter mãos pálidas
e anunciar
o FIM DO MUNDO.
Nós podemos ser tudo amanhã. Certo?
Amanhã
Gonçalves Dias
Amanhã! — é o sol que desponta,
É a aurora de róseo fulgor,
É a pomba que passa e que estampa
Leve sombra de um lago na flor.
Amanhã! — é a folha orvalhada,
É a rola a carpir-se de dor,
É da brisa o suspiro, — é das aves
Ledo canto, — é da fonte — o frescor.
Amanhã! — são acasos da sorte;
O queixume, o prazer, o amor,
O triunfo que a vida nos doura,
Ou a morte de baço palor
Amanhã! — é o vento que ruge,
A procela d'horrendo fragor,
É a vida no peito mirrada,
Mal soltando um alento de dor.
Amanhã! — é a folha pendida.
É a fonte sem meigo frescor,
São as aves sem canto, são bosques
Já sem folhas, e o sol sem calor.
Amanhã! — são acasos da sorte!
É a vida no seu amargor,
Amanhã! — o triunfo, ou a morte;
Amanhã! — o prazer, ou a dor!
Amanhã! — o que val', se hoje existes!
Folga e ri de prazer e de amor;
Hoje o dia nos cabe e nos toca,
De amanhã Deus somente é Senhor!
A procela d'horrendo fragor,
É a vida no peito mirrada,
Mal soltando um alento de dor.
Amanhã! — é a folha pendida.
É a fonte sem meigo frescor,
São as aves sem canto, são bosques
Já sem folhas, e o sol sem calor.
Amanhã! — são acasos da sorte!
É a vida no seu amargor,
Amanhã! — o triunfo, ou a morte;
Amanhã! — o prazer, ou a dor!
Amanhã! — o que val', se hoje existes!
Folga e ri de prazer e de amor;
Hoje o dia nos cabe e nos toca,
De amanhã Deus somente é Senhor!
Preciso ser justa: eu me rendi. Quando Saulo chegou em casa com uma radiola (!) embaixo do braço, só pensei que se tratava de uma excentricidade injustificável: aquele aparelho envolvia uma tecnologia delicadíssima e relativamente inacessível, seria necessário comprar inúmeros complementos, discos, enfim, era preciso reaprender a ouvir música, quando tínhamos ipod, um som razoável, computadores, várias máquinas, grandes ou pequenas, para emitir ruído. Passei cerca de um mês olhando para a radiola com a desconfiança de um gato (e me parece que gatos gostam de radiolas, porque o nosso gostou tanto dela que passou a tirar sua soneca da tarde em cima da dita cuja). A desconfiança era plausível: era a chegada de um aparelho enorme quando eu pensava em tirar da sala quase tudo, deixando o espaço limpo e ordenado, além de que Saulo começou a rivalizar pela sala, comportamento intolerável, já que sou tão dependente dos meus jogos de futebol. Mas eis que começaram a chegar os primeiros discos. Uma coleção herdada do meu sogro, com algumas preociosidades: um vinil do Nat King Cole cantando em espanhol, aquela voz que abraça a gente e tira para dançar. E chegaram outros, porque encontrar discos passou a ser um divertimento para Saulo: Chet Baker e os seus sopros, Billie Holliday, The Beatles, Simon and Garfunkel, Chico Buarque, enfim, muitas vozes na minha sala de estar...Vozes quentes, vozes que parecem cantar mais devagar e nos deixar mais relaxados. Ontem à noite foi a rendição absoluta: só pensava em chegar em casa e colocar o vinil para girar. E foi ótimo, fiquei feliz intimamente com aquela música tão linda e tão acessível ao meu desejo. Só uma coisa ainda não me convenceu: que chateação imensa isso de trocar o lado, ein! Para isso, não dá, já sou da geração da preguiça e não me renderei jamais: voto pela criação de vinis que tenham um lado só. Canta, Nat!
Em homenagem ao meu testemunho musical, vou deixá-los com mais uma canção, a música mais linda de todos os tempos, cantada pela Ella Fitzgerald e o Louis Armstrong, The nearness of you. Boa quinta-feira, amigos!
Lendo esta
crônica do Drummond lembrei de Saulo, que sempre fica indignado ao ver as
propagandas dos bancos na TV. Boa quarta, amigos!
“Já temos o Banco Azul, o Banco Jovem; por
que não teríamos o Banco Primavera, o Banco Felicidade? A moda é vestir os
bancos com etiquetas pra frente. Fazer do banco um cara simpático.
- Você é cliente do Hipotecário?
- Há muitos anos.
- Com um nome desses! Eu, se fosse você,
passava sua conta para o Alegria-Alegria (não sei bem o nome oficial dele, foi
assim que ficou conhecido). Um espetáculo, meu velho. Lá, o gerente, o
contador, as garotas do caixa recebem o cliente às gargalhadas. Você paga
rindo, sem sentir, o imposto de renda, a conta do telefone, o carnê, a
duplicata, a fatura da Santa Casa.”
[...]
Corretores de publicidade estão vendendo imagens bancárias de muito apelo. O Banco Pasárgada, onde eu tenho o saldo que eu quero na hora que escolherei; lá o cheque sem fundos é uma aventura de tal modo inconsequente, que quando eu estiver cansado de emiti-lo, mando chamar o delegado para me contar as histórias que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar. Tua poesia, grande Bandeira, floresceu e frutificou num banco de sonho acordado."
(Carlos Drummond de Andrade,
New-face do Dinheiro, in As Palavras que ninguém diz, Editora
Record)
on Notícias
Amigos
do Ler para Contar, amanhã eu e o meu
amigo querido Raul, que mantém o blog O Jardim, vamos conduzir uma oficina para formação de leitores na XI Semana
de Direito da Faculdade 7 de Setembro. A conversa vai começar às 14h no
auditório do Núcleo de Prática Jurídica, e será um prazer receber todos aqueles
que gostam de literatura e que buscam mais espaços para trocar experiências
sobre o amor pelos livros. Iremos trabalhar com textos selecionados a partir de
uma indagação central. O tema é surpresa, mas posso adiantar que pensamos tudo
com muito carinho! Beijos e até amanhã! (:
Hoje resolvi
fazer um post diferente. Não me sinto capaz de falar de livro nenhum, indicar
qualquer música ou exibir qualquer pintura que me emocione. Há períodos da vida
que são mais conturbados, a gente mal consegue dar conta das obrigações do dia,
sem falar dos projetos e deveres de casa, que também preenchem tanto o tempo livre.
Já se foram duas semanas sem que eu tenha conseguido terminar livro algum –
romance, peça, conto, poema. Toda a disposição mental tem sido empregada para
outras tarefas, de modo que não me sobra muita concentração, e há mesmo uma fadiga
nos olhos no final do dia que não é muito convidativa para leituras. Então, por
que não falar sobre tudo isso, tentando dar alguma ordem a esse estado confuso
de emoções, expectativas e angústias? Já percebi que os amigos leitores deste
blog costumam interagir mais com posts dessa natureza. É algo que me
surpreende. É como se, através da palavra, a palavra autoral, as pessoas de
algum modo compartilhassem o que o há de mais íntimo no meu dia, o meu
pensamento. Então, para aquele aluno que vê a professora caminhando pelo pátio
da faculdade, com o olhar meio cansado e distante, o aluno que lê de vez em
quando o blog, é possível pensar que aquele personagem, “a professora”, também
tem seus dias ruins, suas aflições, que teve dor de cabeça ontem ou que gosta de
assistir ao futebol no final de semana. O personagem se materializa em alguém
real, alguém que também faz parte do seu dia pela confissão da palavra escrita.
Acontece algo semelhante com a literatura, porque ela é um convite ao mundo íntimo de outra pessoa. Quando você lê algo com que
realmente se identifique, é como se o autor tivesse escrito aquele texto para
você, para conversar, para dizer: “eu entendo o que você sofre, ou pensa, ou
gosta”. Enfim, é uma conexão, uma conexão espiritual. Ontem uma amiga me disse
algo divertido, em um jantar animado de fim de noite: uma conhecida tinha
encontrado o escritor Mia Couto em uma noite de autógrafos e soltado uma frase
inusitada e espontânea, “Mia Couto, eu amo você”. Eu me solidarizei com a
leitora apaixonada. Quando gostamos muito de um autor, nasce essa espécie de “amor
literário”, o amor por alguém que você não conhece, alguém que está longe, mas
que, ao mesmo tempo, é capaz de “acessar” os seus pensamentos mais íntimos,
fazendo a gente pensar que, afinal, não estamos mesmo sozinhos neste mundão sem
fim. Não posso me alongar mais, senão o blog deixa de ser blog e se torna
livro. Mas, de todo modo, vim aqui hoje para compartilhar com vocês esta ideia: hoje eu não
sou capaz de elaborar nenhum discurso além desse, o discurso que não é um
discurso, e isso é algo perfeitamente humano. É preciso se dar tempo. É preciso
entender que às vezes o melhor é dormir e descansar. E agora vamos à TV, porque
começou o jogo dos Celtics, é um bom modo de acabar a sexta-feira, porque há dias
em que nem a literatura chega.
Já faz
um tempinho que o Manuel Bandeira, o poeta que melhor cantou a melancolia no
Brasil, não anda por aqui. Então, como hoje é ainda é terça-feira, dia de muito sol e calor,
deixo com vocês o poema Desesperança,
que, apesar de triste, é lindo de doer.
Desesperança
Manuel Bandeira
Esta
manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como
dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que
penosa lassidão em cada músculo...
O
silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá
medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia
que anda no ar um mau pressentimnto.
Assim
deverá ser a natureza um dia,
Quando
a vida acabar e, astro apagado, a Terra
Rodar
sobre si mesma estéril e vazia.
O
demônio sutil das nevroses enterra
A sua
agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a
morte chamar-me e esse apelo me aterra...
Minha
respiração se faz como um gemido.
Já não
entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a
descompreendo e não lhe acho sentido.
Por
onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a
meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro
assim repelido e estrangeiro no mundo.
Vejo
nele a feição fria de um desafeto.
Temo a
monotonia e apreendo a mudança.
Sinto
que minha vida é sem fim, sem objeto...
- Ah,
como dói viver quando falta a esperança!
Teresópolis,
1912.
on Belas Artes
Hoje só
venho aqui mostrar a (linda) foto do Saulo como um protesto pela necessidade de
trabalhar em um dia tão tão quente. Façamos um movimento pelo direito fundamental ao frescor! Abraços.
Eu
sempre gostei de trabalhar, ler, estudar e escrever com o som ligado. No meu
quarto de solteira havia uma TV e, quando casei, diante da negativa absoluta do
Saulo sobre a televisão no quarto de dormir, acabei ocupando a sala como “lugar
de estudo” preferido. Mesmo a TV ligada não só não me incomoda, como muitas vezes me
ajuda a concentrar: pouco importa o que está passando, o que estão dizendo; aquele
ruído de fundo, constante, baixo, é como uma prova de que o mundo pode ser
colocado dentro de uma caixa, deixando nosso pensamento livre, solto. As tardes
de futebol europeu ou os domingos de futebol americano podem ser especialmente
produtivos para atividades que exigem muita paciência e força de vontade, como
entender aquele ensaio filosófico que você precisa explicar como pressuposto
teórico de sua tese (sem falar na emoção de, entre uma ideia ou outra, surgir um gol ou um touchdown para arejar). Embora eu saiba que há pessoas que simplesmente precisam
do silêncio absoluto para pensar, deixo com vocês este link do YouTube com as
cello suites completas de Bach interpretadas por Yo Yo Ma, para servir de
trilha sonora ao pensamento de vocês, naqueles dias cheios de intensa confusão
mental. Bom fim de semana!
P.S. Saulo tem tentado usucapir minha sala e meu sofá graças à chegada do aparelho de som todo especial dele, mas tenho resistido com todas as forças à turbação na minha posse, tendo em vista que o pacto antenupcial previa que a sala seria “meu lugar da TV”. Espero algum amigo que advogue em minha causa. ;)
Música
para acalentar a alma no pré-feriado. Gravação da participação de Caetano
Veloso no filme Fale com Ela, do Almodóvar.
on Belas Artes
Attention, dica para os amantes das artes plásticas!
Para quem gosta de arte moderna, ir a Paris e não conhecer o Musée d'Orsay é uma grande falta. Situado no impressionante e lindo prédio da antiga Gare D'Orsay, às margens do Sena, na rive gauche, logo na altura do Jardin des Tuileries, o museu teve sua primeira exposição em 1900 e conta com um impressionante acervo de pinturas, esculturas, fotografias e outras peças produzidas a partir do século XIX. Não há disputa de importância com o Louvre, já que cada museu cobre um período específico na história das artes. Por isso, se seu objetivo é admirar as obras de Monet, é uma perda de tempo ir ao imenso Louvre, pois todo o Monet de Paris está no d'Orsay.
Enquanto Paris não chega, o site do Musée d’Orsay tem uma lista de obras comentadas entre pintura, escultura, fotografia, artes gráficas, arquitetura e artes decorativas. No texto, o museu explica o contexto de criação da obra, a crítica que recebeu, sua importância estética e outras informações. Explorar o site é uma excelente oportunidade de ampliar o seu universo de referências no mundo das artes e conhecer um pouco mais sobre as obras. Há versões do texto em francês, inglês, italiano, alemão e espanhol. Segue logo abaixo o link para o texto em francês. Se quiser mudar para outra língua, basta escolher a língua de sua preferência no canto inferior esquerdo da tela. Bons estudos!
on Belas Artes
O Impressionismo é sem dúvida o movimento estético da pintura mais popular e apreciado mundo afora. Associado a nomes como Jean-Claude Monet e Pierre-Auguste Renoir, é preciso paciência e fôlego para percorrer os salões lotados do Musée D’Orsay, em Paris, onde uma boa parte das obras estão reunidas. É realmente uma linda experiência observar como as pinturas impressionistas são iluminadas, parecem guardar nos limites da moldura um mundo feito só de luz e de cor. Existem inúmeros motivos para a pintura impressionista ser tão amada: a paleta de cores alegre e tranquila, os temas campestres, a representação da luz natural. Tudo em um quadro impressionista remete à uma atmosfera de contemplação da natureza, como se a “vida fosse um eterno domingo”, um eterno verão ao ar livre.
Um nome que não é tão conhecido do grande público, mas cujas pinturas são belíssimas é o de Camille Pissarro. Acho excepcional a textura que Pissarro consegue construir com as pinceladas. Vale a pena conhecer as obras suaves e encantadoras do pintor.