Ontem
comecei a reler um dos meus romances preferidos do uruguaio Mario Benedetti: A
trégua. Na história, Martín, um homem de 49 anos prestes a se aposentar, conta
os dias para o momento que considera sua libertação de uma vida de tédio. Sua
vida é cinza, o coração está adormecido, “ressequido”, como diz o próprio
personagem. Martín conhece Laura, uma moça de 24 anos que começa a trabalhar no
seu escritório e descobre que ainda é capaz de sentir vontade de cantar. O enredo
não é algo tão inovador, ou tocante em si mesmo, algo até bem comum nos dias de
hoje, um homem mais velho que se relaciona com uma moça jovem e fresca. Mas,
afinal, o que me faz gostar tanto da história de Martín? De ontem para hoje,
reli o romance – que é curto, umas cento e poucas páginas muito boas de ler – e
acho que descobri: é sua profunda humanidade. A história é tocante justamente
por ser crível, a tristeza de um homem sem perspectivas que precisa lidar com
as dificuldades, as alegrias e as angústias de se apaixonar. E é maravilhoso
descobrir que, afinal, com algumas poucas diferenças, todos nós nos apaixonamos
pelo mesmo caminho. Ah, para os que estão buscando uma história açucarada que
traga a mensagem da redenção pelo amor, talvez não seja o livro. Chorei
muitíssimo ao terminar da primeira vez. Desta segunda, só meu coração chorou um
pouco. De pena. De tristeza. De cansaço. Acho que todos devem ler esse livro,
apesar disso, pela sua beleza simples e humana. Boa quarta!
“Um dia inteiro para nós, do desjejum em
diante. Vim ansioso por verificar, por comprovar tudo. O que aconteceu na
sexta-feira foi uma coisa única, mas torrencial. Tudo passou tão rápido, tão
natural, foi tão feliz, que não pude tomar nem uma só anotação mental. Quando
se está no próprio foco da vida, é impossível refletir. E eu quero refletir,
medir o mais aproximadamente possível esta coisa estranha que me está
acontecendo, reconhecer meus próprios sinais, compensar minha falta de
juventude com meu excesso de consciência. E entre os detalhes que quero
verificar está o tom da sua voz, os matizes da sua voz, desde a extrema
sinceridade até a ingênua dissimulação; está seu corpo, que eu praticamente não
vi, não pude descobrir, porque preferi pagar deliberadamente esse preço em
troca de sentir que a tensão se afrouxava, que seus nervos cediam lugar aos
sentidos; preferi que o escuro fosse realmente impenetrável, à prova de toda
fresta iluminada, para sentir que seus estremecimentos de vergonha, de medo,
que sei eu, se transformassem paulatinamente em outros estremecimentos, mais
quentes, mais normais, mais próprios da entrega.”
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