Uma memória de mar


on

No comments


Se fosse necessário guardar o dia com uma memória, seria um gosto salgado na pele, de uma maresia fina que encobre todas as coisas do mar. Hoje foi um dia muito feliz. Um dia que começou na praia, com pouco sol, um céu meio encoberto, acinzentado, as cores menos vivas. Foi um dia para enfrentar alguns medos primitivos e irracionais ao entrar na água e sentir o pé afundar na areia molhada, uma impressão tátil e desagradável, sob o verde escuro aquoso que sempre me remeteu a mistérios insondáveis, marítimos, assustadores. Mas como foi boa a sensação de estar à deriva, flutuando num caiaque tão frágil quanto leve, que parece se conciliar com a profundeza da água num flutuar permanente, e que vai de um lado ao outro ao sabor da força do braço! Observar a orla de dentro d’água, pensar como todas as nossas angústias se destinam a questões pequenas, mutáveis, efêmeras, que é possível ter um instante de beleza gratuito, sem significados ocultos, um instante que é belo em si mesmo. E esse dia que começou na água também terminou em mar, com um pôr-do-sol feito de azuis, lilases e cinzas, um céu mexido pelas nuvens, um céu que também estava na areia molhada da praia, num reflexo que multiplicava as nuances de cor. E você pára, sente a imensa beleza e a grandeza do mundo, suspira e pensa como aquele instante é perfeito e há tanto amor no seu coração que ele transborda e é todo plenitude. Deixo com vocês a foto desse fim de dia, tirada pela minha companheira fiel de caminhadas, conversas e passeios, Mariana, a quem agradeço por este dia tão feliz.