O D é mudo: Django Livre

jan
2013
19

on

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Eu gosto de Tarantino: a estética, o humor, o roteiro. Ontem eu assisti o último filme do diretor, Django Livre, talvez o mais sensacional de todos. O filme merece a crítica boa que tem recebido. É um filme bastante inteligente, profundo, sem perder as características que fazem o Tarantino ser Tarantino. No enredo, temos a figura do dr. Schultz, um dentista alemão que ganha a vida como caçador de recompensas na América. Schultz compra Django para que o escravo o ajude a identificar três irmãos foragidos. Schultz é abolicionista e oferece um trato a Django: caso ele o ajude durante o inverno a caçar seus alvos, Schultz o ajudará a resgatar a Brunhilde, mulher de Django, uma escrava que fala alemão (!), cativa numa fazenda do Mississippi.



Vou tentar sintetizar o que me parece ser a maior riqueza do filme: os seus personagens.

Schultz é o meu preferido: a figura do europeu esclarecido (mas com a moral suficientemente débil para ganhar a vida matando foragidos em troca de dinheiro), que fala francês, cita Alexandre Dumas e abolicionista convicto. Schultz não parece entender a lógica da escravatura e tem um sarcasmo calculado. Trata a negros e brancos com igual educação, tem sempre um sorriso irônico no rosto, mostra um incômodo profundo ao presenciar o sofrimento dos escravos e não se encabula de receber ordens de Django à medida que a relação dos dois progride. Para mim, o destino do personagem não poderia ser melhor, vale a pena assistir.

Monsieur Candie, vivido por Leonardo di Caprio: profundo e paradoxal, o senhor de escravos da temida Candyland mostra uma crueldade terrível com os escravos, ao mesmo tempo em que está cercado por negros em todos os seus espaços de convivência social. Obedece às ordens de Stephen (um “old Joe” fiel e atrevido), senta com Sabá à mesa, uma escrava lindíssima e vestida a rigor, além de se mostrar interessado em frenologia. Monsieur Candie é retratado com ironia por Tarantino, representa o poder econômico iletrado dos senhores de escravos: apesar de gostar de ser chamado de Monsieur e de atribuir nomes franceses aos seus escravos, Candie não sabe uma palavra da língua, tampouco tem a mais vaga noção de que Alexandre Dumas é negro.

Stephen: o velho escravo exerce a função de mordomo de Candyland, mas tem a força de um senhor. É obedecido por negros e brancos, cuida de Calvin (monsieur Candie) com o amor de avô, espreita como um lobo os escravos e mostra uma crueldade superior à do próprio senhor de escravos em matéria de punir os negros fugidos. Stephen (Samuel L. Jackson está fantástico) simboliza o quanto não se pode ver a história com maniqueísmo: um negro que cumpre uma função social tão complexa quanto incompreensível – a do negro que pune e controla a própria raça.





Outros pontos do filme são excelentes: a fotografia (especialmente na primeira parte, quando Django e Schultz vão em busca de seus foragidos pelo interior do Texas) e o humor fino do diretor (a cena da emboscada que mostra uma possível origem para Ku Klux Klan é digna de muitas gargalhadas: mostra o quanto a causa do grupo de extermínio era destituída de reflexão ou ideologia, mas crueldade por crueldade, uma crueldade burra).




Enfim, o post ficou imenso, mas não poderia ser diferente. Esse filme, que assisti há 24 horas, não saiu da minha cabeça e continua me impressionando até agora. Uma advertência é necessária: como todos os filmes do Tarantino, nele a violência é brutal. Uma violência que choca mais que em todos os outros filmes, porque ela não é inventada: as brutalidades sofridas pelos escravos são extremamente críveis como ações que os senhores de escravos, de fato, tomavam para punir seus negros. 


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  1. Anônimo