Archive for janeiro 2013

Amores de Saramago

jan
2013
29

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Nesta última semana antes do retorno às aulas – para um professor são sempre tensos os dias que antecedem o período letivo (as turmas serão boas? Os alunos serão interessados? Tudo correrá como planejado?) – eis que me veio uma crise de sinusite! Estou inconsolável. Deixo-os com um breve poema do Saramago sobre o amor, que achei muito bonito, colhido no excelente site português Citador.



Arte de amar
José Saramago

Metidos neste pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.

Bem te li: Josué Montello

jan
2013
24

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Não sei como passei tantos anos sem conhecer o escritor maranhense Josué Montello. Nascido em 1917, o escritor tem uma obra vastíssima, distribuída entre romances, diários, peças teatrais, crítica literária e crônicas de cotidiano. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e recebeu críticas entusiasmadas de nomes como Carlos Drummond de Andrade. Como eu descobri? Da forma como eu descobri muitos outros tesouros: “garimpando” nas prateleiras da livraria sem tempo para ir embora. Estava em São Paulo, com tempo de sobra, numa livraria de rua que eu adoro, até que vi aquela pilha de livros envelhecidos, publicados pela Editora Nova Fronteira, e pensei que só podia ser algo importante a ponto de justificar sua presença amarelada entre as obras recém-lançadas. Comecei a ler o romance Um beiral para os bentevis e fiquei absolutamente encantada com a riqueza narrativa, os personagens, a prosa simples e bem construída de Montello. Voltei para Fortaleza com tudo que pude encontrar do escritor e planejo passar as próximas semanas explorando suas páginas. Vamos ao romance que já li.




A história se passa em São Luís, tendo um antigo sobrado da Praia Grande como cenário principal. O enredo cobre algumas décadas na vida de uma família tradicional do Maranhão, em diferentes gerações. A técnica empregada pelo autor é recontar os mesmos fatos através dos distintos olhares dos personagens que o viveram. Temos Magda, a neta, Venâncio Sezefredo, o avô religioso e severo, a Vedete, a tia “perdida” que foi dançar no Moulin Rouge em Paris, tia Bilu, a solteirona que cuida de todos e do sobrado, Karl, o sobrinho alemão, e até um charlatão que se passa por parente distante. É uma história cativante, que gira em torno da perseverança de Magda em esperar por Jerônimo – músico de talento que foi ganhar a vida no Rio de Janeiro - mesmo contra a vontade de seu avô.




“A primeira reação do Venâncio Sezefredo, ao saber que Magda, sua única neta, criada por ele como se fosse filha, tinha atravessado a ponte para o bairro de São Francisco, tarde da noite, nua, na garupa de uma motocicleta, foi também um rasgo estranho, de quem estava fora de seu juízo: pegou num chicote, que vinha do tempo em que passeava a cavalo nas ruas de São Luís, e saiu batendo com raiva, com fúria, em todas as mulheres que ia encontrando”.

P.S. Faz tempo que o autor não é editado, de modo que não será fácil encontrá-lo nas livrarias, especialmente em Fortaleza, mas nada que uma busca no site da Estante Virtual não resolva! Vale a pena.

Além do tempo e da carne: Amor

jan
2013
21

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Quando se tem vinte e poucos anos, a velhice é um lugar que não existe. O corpo funciona, os planos se medem em décadas, o outro parece ocupar um papel menor no roteiro da nossa vida. Poucos têm a sorte de envelhecer com o companheiro de uma vida, cultivando, dia após dia, um amor que não se apaga com o cotidiano e o completo conhecimento do outro. O filme Amor, de Michael Haneke, é um filme sobre o morrer em vida, sobre a perda de si, mas, sobretudo, é um filme sobre a lealdade de um amor incondicional. Anne e Georges são dois aposentados que levam uma vida pacata. O filme dá a entender que Anne foi uma professora de piano e a vida dos dois parece orbitar em torno da apreciação estética: concertos, teatro, leituras compartilhadas, refeições ao pé da janela, enquanto conversam sobre memórias da infância. Um casal adorável, sem excessos, que habita uma casa confortável em Paris. Paredes repletas de livros, gravuras, óleos, vinis e cds. Até que Anne começa a sofrer ausências e sua doença se anuncia: seu corpo envelhece com uma rapidez espantosa. Embora não seja dito, Anne parece sofrer de Alzheimer. Vamos acompanhar o cuidado de Georges, sua dedicação, sua candura. Por que é tão triste e tocante? Porque é sem drama, é resignado, é carinhoso: Georges cuida de Anne sem reclamar, ao mesmo tempo em que ele também é um idoso, já debilitado e frágil. Chorei muito, passei o dia triste, mas valeu a pena. É um filme sobre o amor que a poesia não canta: o amor do apagar das luzes.



O D é mudo: Django Livre

jan
2013
19

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Eu gosto de Tarantino: a estética, o humor, o roteiro. Ontem eu assisti o último filme do diretor, Django Livre, talvez o mais sensacional de todos. O filme merece a crítica boa que tem recebido. É um filme bastante inteligente, profundo, sem perder as características que fazem o Tarantino ser Tarantino. No enredo, temos a figura do dr. Schultz, um dentista alemão que ganha a vida como caçador de recompensas na América. Schultz compra Django para que o escravo o ajude a identificar três irmãos foragidos. Schultz é abolicionista e oferece um trato a Django: caso ele o ajude durante o inverno a caçar seus alvos, Schultz o ajudará a resgatar a Brunhilde, mulher de Django, uma escrava que fala alemão (!), cativa numa fazenda do Mississippi.



Vou tentar sintetizar o que me parece ser a maior riqueza do filme: os seus personagens.

Schultz é o meu preferido: a figura do europeu esclarecido (mas com a moral suficientemente débil para ganhar a vida matando foragidos em troca de dinheiro), que fala francês, cita Alexandre Dumas e abolicionista convicto. Schultz não parece entender a lógica da escravatura e tem um sarcasmo calculado. Trata a negros e brancos com igual educação, tem sempre um sorriso irônico no rosto, mostra um incômodo profundo ao presenciar o sofrimento dos escravos e não se encabula de receber ordens de Django à medida que a relação dos dois progride. Para mim, o destino do personagem não poderia ser melhor, vale a pena assistir.

Monsieur Candie, vivido por Leonardo di Caprio: profundo e paradoxal, o senhor de escravos da temida Candyland mostra uma crueldade terrível com os escravos, ao mesmo tempo em que está cercado por negros em todos os seus espaços de convivência social. Obedece às ordens de Stephen (um “old Joe” fiel e atrevido), senta com Sabá à mesa, uma escrava lindíssima e vestida a rigor, além de se mostrar interessado em frenologia. Monsieur Candie é retratado com ironia por Tarantino, representa o poder econômico iletrado dos senhores de escravos: apesar de gostar de ser chamado de Monsieur e de atribuir nomes franceses aos seus escravos, Candie não sabe uma palavra da língua, tampouco tem a mais vaga noção de que Alexandre Dumas é negro.

Stephen: o velho escravo exerce a função de mordomo de Candyland, mas tem a força de um senhor. É obedecido por negros e brancos, cuida de Calvin (monsieur Candie) com o amor de avô, espreita como um lobo os escravos e mostra uma crueldade superior à do próprio senhor de escravos em matéria de punir os negros fugidos. Stephen (Samuel L. Jackson está fantástico) simboliza o quanto não se pode ver a história com maniqueísmo: um negro que cumpre uma função social tão complexa quanto incompreensível – a do negro que pune e controla a própria raça.





Outros pontos do filme são excelentes: a fotografia (especialmente na primeira parte, quando Django e Schultz vão em busca de seus foragidos pelo interior do Texas) e o humor fino do diretor (a cena da emboscada que mostra uma possível origem para Ku Klux Klan é digna de muitas gargalhadas: mostra o quanto a causa do grupo de extermínio era destituída de reflexão ou ideologia, mas crueldade por crueldade, uma crueldade burra).




Enfim, o post ficou imenso, mas não poderia ser diferente. Esse filme, que assisti há 24 horas, não saiu da minha cabeça e continua me impressionando até agora. Uma advertência é necessária: como todos os filmes do Tarantino, nele a violência é brutal. Uma violência que choca mais que em todos os outros filmes, porque ela não é inventada: as brutalidades sofridas pelos escravos são extremamente críveis como ações que os senhores de escravos, de fato, tomavam para punir seus negros. 


O intimismo de Inês Pedrosa

jan
2013
15

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Já indiquei a portuguesa Inês Pedrosa a muitos amigos, almas perdidas em lirismo que adoram ler sobre paixões insuperáveis e amores sofridos. O meu livro preferido da escritora é o romance Nas tuas mãos, que tem uma estrutura narrativa bastante peculiar. Três gerações de mulheres de uma mesma família falam sobre o amor: Jenny, a avó, deixa um diário; Camila, a mãe, um álbum de fotografias e Natália, a neta, uma coletânea de cartas. O livro é muito tocante e mostra como cada um de nós desenvolve um jeito muito íntimo de se relacionar com a paixão e com as desilusões da vida. Era um pouco difícil encontrar os romances da Inês Pedrosa nas livrarias, por conta da distribuição ruim da editora anterior. Há alguns anos ela está sendo publicada no Brasil pela Alfaguara, uma editora fantástica: livros bem editados, não tão caros e fáceis de achar! ;)

 





“Pareciam feitos um para o outro, tu e o Pedro. Um piano e a sua partitura. Tu gostarias de ser a música, mas eras forçado, pelo próprio excesso da sua paixão, a permanecer instrumento de ressonância dele. Creio que foi por amor de ti que o Pedro abafou o talento que tinha. Vários talentos, de resto; pintava o que queria, escrevia poderosamente, e tinha uma esplêndida voz de barítono. Mas nada disso se comparava, para ele, à perfeição compacta dos teus sentimentos. Ele queria amar-te com a obsessiva exactidão com que tu o amavas, e esse permanente hiato de desejos impossíveis adejava entre os dois como um sol privativo.”

Voz de Fada: Lisa Hannigan

jan
2013
10

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No meio do furacão, um instante de paz: a lembrança do balanço doce de um mar sem ondas. Minha ausência tem prazo certo.


Um instante de beleza pura: Swan Lake

jan
2013
08

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Uma memória de mar

jan
2013
05

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Se fosse necessário guardar o dia com uma memória, seria um gosto salgado na pele, de uma maresia fina que encobre todas as coisas do mar. Hoje foi um dia muito feliz. Um dia que começou na praia, com pouco sol, um céu meio encoberto, acinzentado, as cores menos vivas. Foi um dia para enfrentar alguns medos primitivos e irracionais ao entrar na água e sentir o pé afundar na areia molhada, uma impressão tátil e desagradável, sob o verde escuro aquoso que sempre me remeteu a mistérios insondáveis, marítimos, assustadores. Mas como foi boa a sensação de estar à deriva, flutuando num caiaque tão frágil quanto leve, que parece se conciliar com a profundeza da água num flutuar permanente, e que vai de um lado ao outro ao sabor da força do braço! Observar a orla de dentro d’água, pensar como todas as nossas angústias se destinam a questões pequenas, mutáveis, efêmeras, que é possível ter um instante de beleza gratuito, sem significados ocultos, um instante que é belo em si mesmo. E esse dia que começou na água também terminou em mar, com um pôr-do-sol feito de azuis, lilases e cinzas, um céu mexido pelas nuvens, um céu que também estava na areia molhada da praia, num reflexo que multiplicava as nuances de cor. E você pára, sente a imensa beleza e a grandeza do mundo, suspira e pensa como aquele instante é perfeito e há tanto amor no seu coração que ele transborda e é todo plenitude. Deixo com vocês a foto desse fim de dia, tirada pela minha companheira fiel de caminhadas, conversas e passeios, Mariana, a quem agradeço por este dia tão feliz.


Para entender a vida: as lições de Manfredo Oliveira

jan
2013
04

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Não há como ter uma vida construída com base na razão sem a filosofia. O sentido da vida, do amor, do bem e do justo são questões que estão presentes nos momentos mais importantes da nossa existência, quando nos tornamos quem verdadeiramente somos. Apesar de nosso blog ser sobre literatura, aproveito para compartilhar com vocês uma entrevista publicada no jornal O Povo, bastante esclarecedora, com um dos maiores professores de filosofia do Ceará e do Brasil, o padre Manfredo Oliveira, com quem dialogo quase diariamente no silêncio do meu gabinete, por meio da leitura de seus livros. Tenho gratidão e uma grande admiração intelectual pelo professor, não apenas pelo seu conhecimento sobre o saber filosófico, mas, sobretudo, pela sua didática, pela capacidade de nos fazer entender questões bastante complexas.



Quando estava no mestrado em Direito na UFC, pedi ao professor, que leciona na pós-graduação em Filosofia da mesma universidade, para assistir suas aulas sobre filosofia prática como ouvinte. Na época, precisava esclarecer e sistematizar algumas noções da filosofia moral em Kant. Ele, muito gentilmente, disse que não havia qualquer problema e me recebeu sem alarde. Ainda lembro claramente desse primeiro dia de contato com o professor de carne e osso: ele simples, num púlpito de madeira bastante clerical, ao lado, uma pequena caixa de som e um microfone de apoio (para forçar menos a voz); na sala de aula, umas quinze almas meio perdidas e interrogantes. Foram as três horas mais esclarecedoras dos últimos anos. Existe um Habermas antes e outro depois do professor Manfredo, existe um Wittgenstein com o professor Manfredo e outro sem ele, de modo que todos podem crescer um pouco a leitura dessa entrevista, na qual o professor ressalta a importância de se resgatar a reflexão ética.


Para quem quiser ler os escritos do professor, ele é publicado pela editora Vozes, pela editora Loyola e pela editora Paulus (nada que um passeio pela Praça do Ferreira não resolva, com a parada obrigatória no pastel do Leão do Sul). Algumas obras:

Reviravolta Linguístico-Pragmática, 1996, 3ª edição
Filosofia na Crise da Modernidade, 1993, 3ª edição
Ética e Sociabilidade, 1993
Ética, direito e democracia, 2010

Vivendo à beira: Clarice Lispector

jan
2013
04

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A Clarice Lispector não está entre as escritoras que leio com mais frequência. Apesar disso, todos nós temos nossos dias de Clarice, que escreve sobre o íntimo feminino como ninguém. Hoje, enquanto pensava no que postar, olhando as prateleiras, as lombadas dos livros, pensando nas leituras passadas, meu olhar encontrou o dela no seu Água Viva e eu pensei que esse é o texto perfeito para o que eu estou sentindo hoje: um turbilhão de emoções nada claras. Li esse livro há muitos e muitos anos (a inscrição do meu nome na contracapa data de 2001), mas lembro que foi uma leitura tocante, a ponto das páginas estarem cheias de rabiscos de marca-texto. O parágrafo que vai ao final do post, em especial, nunca me saiu da cabeça. Para os que gostam da escritora, é uma boa indicação. Uma leitura desorganizada, que não é exatamente um romance (não cabe qualquer categorização), mas não deixa de ser uma boa leitura. Bom fim de semana, amigos.





Também tenho que te escrever porque tua seara é a das palavras discursivas e não o direto de minha pintura. Sei que são primárias as minhas frases, escrevo com amor demais por elas e esse amor supre as faltas, mas o amor demais prejudica os trabalhos. Este não é um livro porque não é assim que se escreve. O que escrevo é só um clímax? Meus dias são um só clíma: vivo à beira.” (Clarice Lispector, Água Viva, Rocco, 1998)

Iemanjá e seus símbolos

jan
2013
02

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No dia 2 de fevereiro acontece uma tradicional festa popular em Salvador: a Festa de Iemanjá, a Rainha do Mar. A entidade do Candomblé é representada pela figura arquetípica da sereia, uma mulher de longos cabelos que habita o reino das águas. A origem mitológica do orixá representado por Iemanjá é uma pequena nação africana, para qual representava, no dizer de João do Carmo, “o leito primordial, de onde nassceram todos os seres vivos”. No começo de fevereiro, num dos símbolos do sincretismo religioso no Brasil, cristãos e pagãos lotam as praias da baía de todos os santos para lançar suas oferendas ao mar, esperando que a mãe das águas atenda aos pedidos de seus filhos. Reconhecida como divindade maternal e protetora, senhora da fartura e da abundância, acredita-se que, ao agradar a Iemanjá, a senhora das águas se sinta mais inclinada a conceder a graça da vida e de seus prazeres aos seus filhos. Com o mesmo espírito de quem joga na Mega Sena, vamos hoje lançar mentalmente nossos barquinhos para Iemanjá, repleto com os nossos sonhos mais inconfessáveis?
 
 
A obra é do maravilhoso artista argentino Hector Carybé.

Update: por uma questão de rigor, atualizamos a informação, já que as festividades de Iemanjá ocorrem em 2 de fevereiro e não de janeiro! A tradicional festa do começo de janeiro é, na verdade, a procissão de Bom Jesus dos Navegantes. (: