Entre a Cidade e o Campo: Eça de Queirós


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O antagonismo existente entre campo e cidade já foi tema de inúmeros romances e teses filosóficas sobre a boa vida. Há os que preferem o burburinho dinâmico das vias urbanas, enquanto outros encontram seu ritmo na vida próxima ao verde, onde o humano acaba se confundindo com o natural. Um romance excelente que tem como pano de fundo o dito antagonismo é A Cidade e as Serras, do escritor português Eça de Queirós. Considerado representante máximo do realismo em Portugal, Eça é muitas vezes comparado, por seu estilo e pela construção narrativa de seus romances, a Machado de Assis, e acredito que nenhum dos dois sai perdendo com essa comparação. No romance publicado postumamente, temos o personagem do rico aristocrata Jacinto, filho de pais portugueses, radicado na moderna e movimentada Paris, entusiasta das ciências e do progresso tecnológico. Por força de eventos alheios a sua vontade, Jacinto é levado a visitar a quinta da família em Portugal, o que dá início a uma hilária tentativa de levar a vida civilizada de Paris para o interior. A história é leve, narrada pelo personagem Fernandes, amigo próximo de Jacinto que observa tudo com uma ironia muito boa de aprender. Para morrer de rir com um romance muito, muito atual, ainda que escrito no século XIX. 




“Assobiando um fado meigo tirei debaixo da cama a minha velha mala, e meti solicitamente entre as calças e peúgas um Tratado de Direito Civil, para aprender enfim, nos vagares da aldeia, estendido sob a faia, as leis que regem os homens. Depois, nessa tarde, anunciei a Jacinto que partia para Guiães. O meu camarada recuou com um surdo gemido de espanto e piedade:

 - Para Guiães!... Oh, Zé Fernandes, que horror!

E toda essa semana me lembrou solicitamente confortos de que eu me deveria prover para que pudesse conservar, nos ermos silvestres, tão longe da Cidade, uma pouca de alma dentro de um pouco e corpo. “Leva uma poltrona! Leva a Enciclopédia geral! Leva caixas de aspargos!...”

P. S. O livro é facilmente encontrado em edições de bolso bem baratas, o que permite o acesso fácil à obra, sem prejuízo de seu valor literário, já que foi escrita em português.