Archive for novembro 2012

Os Gatos e as Radiolas

nov
2012
29

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Preciso ser justa: eu me rendi. Quando Saulo chegou em casa com uma radiola (!) embaixo do braço, só pensei que se tratava de uma excentricidade injustificável: aquele aparelho envolvia uma tecnologia delicadíssima e relativamente inacessível, seria necessário comprar inúmeros complementos, discos, enfim, era preciso reaprender a ouvir música, quando tínhamos ipod, um som razoável, computadores, várias máquinas, grandes ou pequenas, para emitir ruído. Passei cerca de um mês olhando para a radiola com a desconfiança de um gato (e me parece que gatos gostam de radiolas, porque o nosso gostou tanto dela que passou a tirar sua soneca da tarde em cima da dita cuja). A desconfiança era plausível: era a chegada de um aparelho enorme quando eu pensava em tirar da sala quase tudo, deixando o espaço limpo e ordenado, além de que Saulo começou a rivalizar pela sala, comportamento intolerável, já que sou tão dependente dos meus jogos de futebol. Mas eis que começaram a chegar os primeiros discos. Uma coleção herdada do meu sogro, com algumas preociosidades: um vinil do Nat King Cole cantando em espanhol, aquela voz que abraça a gente e tira para dançar. E chegaram outros, porque encontrar discos passou a ser um divertimento para Saulo: Chet Baker e os seus sopros, Billie Holliday, The Beatles, Simon and Garfunkel, Chico Buarque, enfim, muitas vozes na minha sala de estar...Vozes quentes, vozes que parecem cantar mais devagar e nos deixar mais relaxados. Ontem à noite foi a rendição absoluta: só pensava em chegar em casa e colocar o vinil para girar. E foi ótimo, fiquei feliz intimamente com aquela música tão linda e tão acessível ao meu desejo. Só uma coisa ainda não me convenceu: que chateação imensa isso de trocar o lado, ein! Para isso, não dá, já sou da geração da preguiça e não me renderei jamais: voto pela criação de vinis que tenham um lado só. Canta, Nat!
 


 
Em homenagem ao meu testemunho musical, vou deixá-los com mais uma canção, a música mais linda de todos os tempos, cantada pela Ella Fitzgerald e o Louis Armstrong, The nearness of you. Boa quinta-feira, amigos!
 


Cronicando com Drummond: A Publicidade

nov
2012
28

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Lendo esta crônica do Drummond lembrei de Saulo, que sempre fica indignado ao ver as propagandas dos bancos na TV. Boa quarta, amigos!
 

 

Já temos o Banco Azul, o Banco Jovem; por que não teríamos o Banco Primavera, o Banco Felicidade? A moda é vestir os bancos com etiquetas pra frente. Fazer do banco um cara simpático.

- Você é cliente do Hipotecário?

- Há muitos anos.

- Com um nome desses! Eu, se fosse você, passava sua conta para o Alegria-Alegria (não sei bem o nome oficial dele, foi assim que ficou conhecido). Um espetáculo, meu velho. Lá, o gerente, o contador, as garotas do caixa recebem o cliente às gargalhadas. Você paga rindo, sem sentir, o imposto de renda, a conta do telefone, o carnê, a duplicata, a fatura da Santa Casa.”
[...]
Corretores de publicidade estão vendendo imagens bancárias de muito apelo. O Banco Pasárgada, onde eu tenho o saldo que eu quero na hora que escolherei; lá o cheque sem fundos é uma aventura de tal modo inconsequente, que quando eu estiver cansado de emiti-lo, mando chamar o delegado para me contar as histórias que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar. Tua poesia, grande Bandeira, floresceu e frutificou num banco de sonho acordado." 
 (Carlos Drummond de Andrade, New-face do Dinheiro, in As Palavras que ninguém diz, Editora Record)

Convite: Vamos conversar sobre literatura?

nov
2012
26

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Amigos do Ler para Contar, amanhã eu e o meu amigo querido Raul, que mantém o blog O Jardim, vamos conduzir uma oficina para formação de leitores na XI Semana de Direito da Faculdade 7 de Setembro. A conversa vai começar às 14h no auditório do Núcleo de Prática Jurídica, e será um prazer receber todos aqueles que gostam de literatura e que buscam mais espaços para trocar experiências sobre o amor pelos livros. Iremos trabalhar com textos selecionados a partir de uma indagação central. O tema é surpresa, mas posso adiantar que pensamos tudo com muito carinho! Beijos e até amanhã! (:



Não o conheço, mas adoro você...

nov
2012
23

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Hoje resolvi fazer um post diferente. Não me sinto capaz de falar de livro nenhum, indicar qualquer música ou exibir qualquer pintura que me emocione. Há períodos da vida que são mais conturbados, a gente mal consegue dar conta das obrigações do dia, sem falar dos projetos e deveres de casa, que também preenchem tanto o tempo livre. Já se foram duas semanas sem que eu tenha conseguido terminar livro algum – romance, peça, conto, poema. Toda a disposição mental tem sido empregada para outras tarefas, de modo que não me sobra muita concentração, e há mesmo uma fadiga nos olhos no final do dia que não é muito convidativa para leituras. Então, por que não falar sobre tudo isso, tentando dar alguma ordem a esse estado confuso de emoções, expectativas e angústias? Já percebi que os amigos leitores deste blog costumam interagir mais com posts dessa natureza. É algo que me surpreende. É como se, através da palavra, a palavra autoral, as pessoas de algum modo compartilhassem o que o há de mais íntimo no meu dia, o meu pensamento. Então, para aquele aluno que vê a professora caminhando pelo pátio da faculdade, com o olhar meio cansado e distante, o aluno que lê de vez em quando o blog, é possível pensar que aquele personagem, “a professora”, também tem seus dias ruins, suas aflições, que teve dor de cabeça ontem ou que gosta de assistir ao futebol no final de semana. O personagem se materializa em alguém real, alguém que também faz parte do seu dia pela confissão da palavra escrita. 




Acontece algo semelhante com a literatura, porque ela é um convite ao mundo íntimo de outra pessoa. Quando você lê algo com que realmente se identifique, é como se o autor tivesse escrito aquele texto para você, para conversar, para dizer: “eu entendo o que você sofre, ou pensa, ou gosta”. Enfim, é uma conexão, uma conexão espiritual. Ontem uma amiga me disse algo divertido, em um jantar animado de fim de noite: uma conhecida tinha encontrado o escritor Mia Couto em uma noite de autógrafos e soltado uma frase inusitada e espontânea, “Mia Couto, eu amo você”. Eu me solidarizei com a leitora apaixonada. Quando gostamos muito de um autor, nasce essa espécie de “amor literário”, o amor por alguém que você não conhece, alguém que está longe, mas que, ao mesmo tempo, é capaz de “acessar” os seus pensamentos mais íntimos, fazendo a gente pensar que, afinal, não estamos mesmo sozinhos neste mundão sem fim. Não posso me alongar mais, senão o blog deixa de ser blog e se torna livro. Mas, de todo modo, vim aqui hoje para compartilhar com vocês esta ideia: hoje eu não sou capaz de elaborar nenhum discurso além desse, o discurso que não é um discurso, e isso é algo perfeitamente humano. É preciso se dar tempo. É preciso entender que às vezes o melhor é dormir e descansar. E agora vamos à TV, porque começou o jogo dos Celtics, é um bom modo de acabar a sexta-feira, porque há dias em que nem a literatura chega. 

Tristeza de Poeta: Manuel Bandeira

nov
2012
20

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Já faz um tempinho que o Manuel Bandeira, o poeta que melhor cantou a melancolia no Brasil, não anda por aqui. Então, como hoje é ainda é terça-feira, dia de muito sol e calor, deixo com vocês o poema Desesperança, que, apesar de triste, é lindo de doer.

 

 

Desesperança
 
Manuel Bandeira

 

Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.

Como dói um pesar em cada pensamento!

Ah, que penosa lassidão em cada músculo...

 

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento

Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...

Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimnto.

 

Assim deverá ser a natureza um dia,

Quando a vida acabar e, astro apagado, a Terra

Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

 

O demônio sutil das nevroses enterra

A sua agulha de aço em meu crânio doído.

Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

 

Minha respiração se faz como um gemido.

Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,

Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

 

Por onde alongue o meu olhar de moribundo,

Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:

E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

 

Vejo nele a feição fria de um desafeto.

Temo a monotonia e apreendo a mudança.

Sinto que minha vida é sem fim, sem objeto...

 

- Ah, como dói viver quando falta a esperança!

 

Teresópolis, 1912.

Calor, preguiça e trabalho...

nov
2012
19

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Hoje só venho aqui mostrar a (linda) foto do Saulo como um protesto pela necessidade de trabalhar em um dia tão tão quente. Façamos um movimento pelo direito fundamental ao frescor! Abraços.



Bach, o futebol e a concentração

nov
2012
16

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Eu sempre gostei de trabalhar, ler, estudar e escrever com o som ligado. No meu quarto de solteira havia uma TV e, quando casei, diante da negativa absoluta do Saulo sobre a televisão no quarto de dormir, acabei ocupando a sala como “lugar de estudo” preferido. Mesmo a TV ligada não só não me incomoda, como muitas vezes me ajuda a concentrar: pouco importa o que está passando, o que estão dizendo; aquele ruído de fundo, constante, baixo, é como uma prova de que o mundo pode ser colocado dentro de uma caixa, deixando nosso pensamento livre, solto. As tardes de futebol europeu ou os domingos de futebol americano podem ser especialmente produtivos para atividades que exigem muita paciência e força de vontade, como entender aquele ensaio filosófico que você precisa explicar como pressuposto teórico de sua tese (sem falar na emoção de, entre uma ideia ou outra, surgir um gol ou um touchdown para arejar). Embora eu saiba que há pessoas que simplesmente precisam do silêncio absoluto para pensar, deixo com vocês este link do YouTube com as cello suites completas de Bach interpretadas por Yo Yo Ma, para servir de trilha sonora ao pensamento de vocês, naqueles dias cheios de intensa confusão mental. Bom fim de semana!
 

 


P.S. Saulo tem tentado usucapir minha sala e meu sofá graças à chegada do aparelho de som todo especial dele, mas tenho resistido com todas as forças à turbação na minha posse, tendo em vista que o pacto antenupcial previa que a sala seria “meu lugar da TV”. Espero algum amigo que advogue em minha causa. ;)

Amores da Espanha: Caetano e Almodóvar

nov
2012
14

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Música para acalentar a alma no pré-feriado. Gravação da participação de Caetano Veloso no filme Fale com Ela, do Almodóvar.



Arte Estudada: O Site do Musée d'Orsay

nov
2012
09

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Attention, dica para os amantes das artes plásticas!
Para quem gosta de arte moderna, ir a Paris e não conhecer o Musée d'Orsay é uma grande falta. Situado no impressionante e lindo prédio da antiga Gare D'Orsay, às margens do Sena, na rive gauche, logo na altura do Jardin des Tuileries, o museu teve sua primeira exposição em 1900 e conta com um impressionante acervo de pinturas, esculturas, fotografias e outras peças produzidas a partir do século XIX. Não há disputa de importância com o Louvre, já que cada museu cobre um período específico na história das artes. Por isso, se seu objetivo é admirar as obras de Monet, é uma perda de tempo ir ao imenso Louvre, pois todo o Monet de Paris está no d'Orsay.


Enquanto Paris não chega, o site do Musée d’Orsay tem uma  lista de obras comentadas entre pintura, escultura, fotografia, artes gráficas, arquitetura e artes decorativas. No texto, o museu explica o contexto de criação da obra, a crítica que recebeu, sua importância estética e outras informações. Explorar o site é uma excelente oportunidade de ampliar o seu universo de referências no mundo das artes e conhecer um pouco mais sobre as obras. Há versões do texto em francês, inglês, italiano, alemão e espanhol. Segue logo abaixo o link para o texto em francês. Se quiser mudar para outra língua, basta escolher a língua de sua preferência no canto inferior esquerdo da tela. Bons estudos!

O Mundo Colorido e Luminoso de Pissarro

nov
2012
08

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O Impressionismo é sem dúvida o movimento estético da pintura mais popular e apreciado mundo afora. Associado a nomes como Jean-Claude Monet e Pierre-Auguste Renoir, é preciso paciência e fôlego para percorrer os salões lotados do Musée D’Orsay, em Paris, onde uma boa parte das obras estão reunidas. É realmente uma linda experiência observar como as pinturas impressionistas são iluminadas, parecem guardar nos limites da moldura um mundo feito só de luz e de cor. Existem inúmeros motivos para a pintura impressionista ser tão amada: a paleta de cores alegre e tranquila, os temas campestres, a representação da luz natural. Tudo em um quadro impressionista remete à uma atmosfera de contemplação da natureza, como se a “vida fosse um eterno domingo”, um eterno verão ao ar livre.


Um nome que não é tão conhecido do grande público, mas cujas pinturas são belíssimas é o de Camille Pissarro. Acho excepcional a textura que Pissarro consegue construir com as pinceladas. Vale a pena conhecer as obras suaves e encantadoras do pintor.


Entre a Cidade e o Campo: Eça de Queirós

nov
2012
07

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O antagonismo existente entre campo e cidade já foi tema de inúmeros romances e teses filosóficas sobre a boa vida. Há os que preferem o burburinho dinâmico das vias urbanas, enquanto outros encontram seu ritmo na vida próxima ao verde, onde o humano acaba se confundindo com o natural. Um romance excelente que tem como pano de fundo o dito antagonismo é A Cidade e as Serras, do escritor português Eça de Queirós. Considerado representante máximo do realismo em Portugal, Eça é muitas vezes comparado, por seu estilo e pela construção narrativa de seus romances, a Machado de Assis, e acredito que nenhum dos dois sai perdendo com essa comparação. No romance publicado postumamente, temos o personagem do rico aristocrata Jacinto, filho de pais portugueses, radicado na moderna e movimentada Paris, entusiasta das ciências e do progresso tecnológico. Por força de eventos alheios a sua vontade, Jacinto é levado a visitar a quinta da família em Portugal, o que dá início a uma hilária tentativa de levar a vida civilizada de Paris para o interior. A história é leve, narrada pelo personagem Fernandes, amigo próximo de Jacinto que observa tudo com uma ironia muito boa de aprender. Para morrer de rir com um romance muito, muito atual, ainda que escrito no século XIX. 




“Assobiando um fado meigo tirei debaixo da cama a minha velha mala, e meti solicitamente entre as calças e peúgas um Tratado de Direito Civil, para aprender enfim, nos vagares da aldeia, estendido sob a faia, as leis que regem os homens. Depois, nessa tarde, anunciei a Jacinto que partia para Guiães. O meu camarada recuou com um surdo gemido de espanto e piedade:

 - Para Guiães!... Oh, Zé Fernandes, que horror!

E toda essa semana me lembrou solicitamente confortos de que eu me deveria prover para que pudesse conservar, nos ermos silvestres, tão longe da Cidade, uma pouca de alma dentro de um pouco e corpo. “Leva uma poltrona! Leva a Enciclopédia geral! Leva caixas de aspargos!...”

P. S. O livro é facilmente encontrado em edições de bolso bem baratas, o que permite o acesso fácil à obra, sem prejuízo de seu valor literário, já que foi escrita em português.

Post de Aniversário: 1 ano de Blog!

nov
2012
06

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Há um ano, no dia 5 de novembro de 2011, o primeiro post do Ler para Contar foi publicado, e o blog nasceu. Com a ajuda do meu amigo Raul, que teve a paciência e a gentileza de me auxiliar com aspectos obscuros como layout, criação de um domínio próprio e outros tantos detalhes do mundo virtual até então desconhecidos, foi possível desenvolver este espaço onde compartilho referências, leituras, momentos, sons e cores. A ideia de criar o blog surgiu quando, postando alguns poemas e imagens do Facebook, os amigos começaram a curtir, interagir, mostrando que a arte ainda conserva o seu potencial de tocar a alma humana e nos fazer melhores. Por que não compartilhar essas dicas, palavras, imagens em um espaço maior, mais “confortável”, onde fosse possível expor melhor o discurso? E então surgiu o Ler para Contar. Hoje venho aqui agradecer a todos que nos visitam, a todos aqueles que de algum modo fazem parte da rotina do blog. Estávamos parados há dez dias, mas ainda estamos aqui. Uma viagem, cansaço, leituras, uma tese para finalizar até janeiro. Enfim, não é uma desculpa, apenas o cuidado de explicar a vocês que o blog continua vivinho. Que venha mais um ano de vida! :)