Archive for outubro 2012
Ontem
falamos sobre o romance de Agualusa que tem o Brasil colonial como um dos destinos
exóticos do aventureiro Fradique. O Brasil que conhecemos
hoje, as referências simbólicas que compartilhamos, foi “construído” no século
XIX através das artes. A vinda da corte portuguesa para o Brasil no começo do
século XIX representou o nascimento da ideia de que era preciso “desenvolver a nação
cultural do Brasil”, forjar uma identidade para a imensa colônia que ganhava
importância no cenário europeu.
A empresa civilizatória empreendida pelos
portugueses teve seu ápice com a organização de uma missão artística em 1816, que
trouxe para o Brasil pintores, escultores, cientistas, músicos, enfim, uma
infinidade de intelectuais dedicados a captar a alma da colônia, seus ares,
suas cores e sons. Até mesmo a literatura se engajou no projeto, encontrando um lugar no indigenismo de José de Alencar e Gonçalves Dias, que exaltavam a alma boa do índio brasileiro e o som doce e cativante dos sabiás. A figura de Jean-Baptiste Debret merece destaque nesse
contexto. O pintor francês é o responsável pela criação de uma obra vastíssima
de aquarelas, gravuras, pinturas, nas quais ficou materializada a vida cotidiana, a
moda, os hábitos e a dinâmica urbana e rural do Brasil colonial. Grande observador dos costumes, Debret teve um cuidado especial em recriar as vestimentas, em retratar cenas das ruas, da gente simples da província. Uma aula de
história que encanta os nossos olhos.
A
editora Sextante publicou uma edição especial do Caderno de Viagem de Debret,
com organização e texto de Julio Bandeira. Uma obra que vale a pena ter na
estante!
Imagine
o exotismo do Vietnã, os sons, os cheiros, a natureza selvagem. A sua paisagem
úmida e empobrecida é o pano de fundo para O
Amante, célebre obra da escritora francesa Marguerite Duras. Na história,
romance com traços autobiográficos, é apresentado o estranho vínculo amoroso e
sexual nascido entre a narradora, adolescente francesa radicada na colônia da
Indochina, e um rico herdeiro chinês, que, apesar de perdidamente apaixonado,
não vê qualquer possibilidade de assumir publicamente o romance com a moça
branca. A acidez e a desesperança estão presentes nas palavras de Duras, o que
torna a história tão crível (e tão triste). O enredo foi adaptado para o
cinema, sob a direção de Jean-Jacques Annaud. Um romance para viajar para bem
longe...
“Ainda íamos todos os dias à garçonnière de
Cholen. Ele fazia como sempre, durante algum tempo continuou a fazer como
sempre, me lavava com a água das jarras e me levava para a cama. Vinha ao meu
lado, também se estendia, mas tinha ficado sem força nenhuma, sem potência
nenhuma. Marcada a data da partida, mesmo ainda distante, ele não conseguia
fazer mais nada com meu corpo. Acontecera abruptamente, À sua revelia. Seu
corpo não queria mais a menina que ia partir, trair. Ele dizia: não posso mais
te tomar; achava que ainda podia, mas não posso mais.”
Algumas
obras são tão magistralmente escritas que são capazes de nos transportar para
outro tempo, outra vida, outro lugar. Nesses momentos de leitura, simplesmente
não é possível largar o livro até que a história tenha chegado a um
fim, e o protagonista possa, enfim, descansar. A obra Nação Crioula do escritor angolano José Eduardo Agualusa é um
desses romances que vale a pena conhecer. Na história, temos a figura de
Fradique, um aventureiro do século XIX que chega a Angola em um navio de
expedição. O romance retrata as aventuras de Fradique, sua luta contra a
escravatura, o romance com a ex-escrava Ana Olímpia, educada pelos melhores
tutores da França, conhecedora da filosofia alemã e da literatura francesa, a
relação de lealdade com o mítico Arcénio do Capo. Apesar de se tratar de um
romance epistolar, a linearidade da narrativa torna a história dinâmica,
vívida, interessante. Publicado pela editora Língua Geral e recomendadíssimo!
“Quando me perguntaste, respirando exausta o
mesmo ar que eu – e agora? -, não soube o que responder. Três meses mais tarde
ainda não conheço a resposta. Fui nómada a vida inteira. Atravessei metade do
mundo, desde Chicago até à Palestina, desde a Islândia até ao Saara, e nunca
soube que nome dar a essa errância aflita. Hoje sei que estava à tua procura.
Sei que és o meu destino, a minha pátria, a minha igreja. Sei que ao deixar
Luanda fez-se dezembro e que desde então o inverno ronda como um lobo esfomeado
à minha volta.”
on Dramaturgia
Este
blog adora ler teatro e, em especial, as comédias. Então, aproveitando o ensejo
da segunda-feira, trazemos a dica da peça Viúva,
porém honesta do pernambucano Nelson Rodrigues. A obra, cuja primeira
montagem aconteceu em 1957, é definida como uma farsa, um “passatempo” cômico
onde nada deve ser levado a sério, inclusive os personagens. É, no dizer de Flávio
Aguiar, um deboche que expõe uma dura crítica à falsa moralidade da burguesia
brasileira. Na história, Ivonete, que acaba de ficar viúva, recusa-se a sentar,
em respeito ao marido morto. O pai de Ivonete, dono de um jornal importante no
Rio de Janeiro, resolve convocar um “time de especialistas” para resolver o
problema da filha. O texto, publicado
pela editora Nova Fronteira, é divertidíssimo e vale cada segundo dedicado à
leitura.
"DIABO DA FONSECA: - Declaro-vos amantes,
até segunda ordem. (Pardal roça os lábios na testa de Ivonete). Meus filhos, na
união de um homem e de uma mulher, o que interessa não é a cama, não é o
quarto, não é a sala, e sim o banheiro. “O banheiro”, disse eu e repito.
DR. J.B.: - Mais discurso, oh!
DIABO DA FONSECA: - Pergunto: qual o único
cômodo metafísico da casa? O banheiro! Sim, meus caros amantes: o banheiro tem
um trono, no uso do qual o homem vira um “Rei Lear”. E digo mais: o banheiro é
tão importante que é nele que morre o amor.
PSICANALISTA: - Licença para um aparte?
DIABO DA FONSECA: - Com prazer.
PSICANALISTA: - O que V. Exª. está dizendo
não é científico!
DIABO DA FONSECA: - Pode não ser científico,
mas é batata! Eu disse que o amor morre no banheiro e provo. Quando um cônjuge
bate na porta do banheiro e o outro responde lá de dentro: “Tem gente!”, não há
amor que resista!"
Amigos,
um bom sábado para todos vocês! Vamos sonhar todos com uma soirée na primavera
em Paris. ;)
Dica bacana de um blog sobre os melhores lugares para comprar livros na Europa, chamado Bookstore Guide. Recomendo a leitura! Aqui o link.
Esta
semana o prêmio Jabuti divulgou os seus finalistas, e tivemos uma grata
surpresa. O romance finalista da categoria melhor ficção já foi indicado aqui
no blog, neste post. Trata-se da obra Nihonjin, de Oscar Nakasato, publicado
pela editora Benvirá (selo da Saraiva). Renovamos nossa indicação de leitura,
pois se trata de uma linda história para refletir sobre a imigração japonesa ao
Brasil, conflitos identitários e igualdade racial.
Como
boa parte dos leitores do blog também são alunos da faculdade, fico feliz em
divulgar que o livro do colega professor Antônio Jorge Pereira, Direitos da Criança e do Adolescente em face
da TV, foi o vencedor na categoria Direito.
Um boa sexta pra vocês, amigos!
Fonte: http://www.premiojabuti.com.br/resultado-fase-vencedores-2012
Um
poema sobre o amor, porque ainda é quinta-feira.
Arte de amar
Manuel Bandeira
Manuel Bandeira
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Para os
amigos que, como eu, estão por aí perdidos na imensidão vazia da noite de uma
terça-feira completamente sem sentido, deixo as palavras leves do Campos de
Carvalho, retiradas da obra Cartas de
Viagem e outras Crônicas. Essas cartas me fazem rir muitíssimo porque são a
exata impressão que um brasileiro tem de Londres (e dos londrinos). Beijo em
todos.
“O londrino, tirante os teen-agers, que não
têm graça nenhuma, é em geral engraçadíssimo. Apieda-se pelo fato de você não
ter agasalho próprio para o frio glacial que está fazendo. Perto dos franceses,
são educadíssimos (o que não é nenhuma vantagem), mas também ignoram a sua
existência, a menos que você se ponha a gritar no meio da rua Help! Help! – o
que estou sempre fazendo. As mulheres são bonitas, surpreendentemente bonitas,
mas todas iguais; já os homens não me agradam, e espero que lhes agrade ainda
muito menos. Até os cachorros ingleses fumam cachimbo e trazem o olhar perdido
no horizonte; educadíssimos: ainda não vi um cachorro sequer olhando para um
poste”
Poucas coisas são tão valiosas quanto viajar. A possibilidade de sair um pouco da rotina, do seu próprio centro e descobrir o universo do outro é um verdadeiro exercício de autoconhecimento. Hoje recebemos na faculdade o simpaticíssimo e espontâneo professor Eduardo Vera-Cruz, professor de Direito da Universidade de Lisboa, angolano de nascimento, neto de brasileiros e pai satisfeito de nove (!) filhos. As palavras do professor me inspiraram a trazer um trechinho do livro de outro angolano, o escritor José Eduardo Agualusa, chamado Um Estranho em Goa, meio diário de viagem, meio romance. A imagem poética de um banho de mar noturno e luminoso é linda (como tudo que ele escreve).
“Assusta um pouco mergulhar nas águas noturnas, sentindo lodo debaixo dos pés, e vendo as luzes a dançar ao longe. Ao mesmo tempo sente-se ascender de toda aquela imensa massa líquida uma espécie de força pacificadora que, docemente, nos empurra para o abismo. Coloquei os óculos de mergulho, esvaziei os pulmões, e deixei-me afundar lentamente. Vi formar-se entre os meus dedos a ardência marítima, fenômeno a que no Brasil também se chama buxiqui, provocado pela existência na água de minúsculos protozoários de corpo luminescente. Estrelas desprendiam-se ao mais pequeno dos meus gestos, ficavam um pouco à deriva formando desenhos de luz, e depois dispersavam-se subiam, juntando-se à outra noite, ao outro rio, às nítidas constelações que flutuavam lá em cima- na eternidade”
on Cinema
L’amour, ça sert à quoi? Para que serve o amor? Para deixar a vida com gosto. Boa sexta-feira a todos, com a animaçãozinha linda, a canção é de Edith Piaf e Theo Sarapo.
on Belas Artes
Uma
linda fotografia do brasileiro Araquém Alcântara para quem já sonhou em cavalgar
rápido rumo a lugar nenhum, só para sentir o vento batendo no rosto e o coração
aos pulos. Boa quinta-feira, amigos!
O
romance A Palavra que veio do Sul da
escritora Livia Garcia-Roza tem como tema a turbulenta passagem da infância
para a adolescência de Helena Maria. A personagem vive no abismo provocado pelo
divórcio dos pais: filha de uma mãe astróloga, emocionalmente frágil e ingênua,
e de um pai agressivo e indiferente, casado com uma mulher má, Helena Maria
encontra o conforto afetivo na figura do “seu” Wanderley, cliente de sua mãe
que nutre uma paixonite platônica pela astróloga. O cotidiano das duas casas, a
observação minuciosa da narradora-personagem, a ironia fina com que Helena
Maria avalia os comportamentos da madrasta Miriam, as primeiras descobertas da
adolescência, tudo faz da leitura do livro uma delícia.
“Quando cheguei em casa contei para mamãe
o que eu tinha visto. Nenhum dos dois vai se salvar! Seu pai é um quadrúpede!
Um asno! E tem mais, está com Plutão, que é violento, em quadratura com o Sol
dele, já deve estar sentindo os efeitos, quando estiver no grau exato então...Você
vai ver o que vai acontecer naquela casa! Dentro em breve quem vai processá-lo
sou eu!”
O escritor
uruguaio Mario Benedetti já esteve no blog antes e é um dos nossos autores
favoritos. Seja por sua escrita leve, muito verdadeira e limpa, seja pela
nostalgia melancólica que permeia suas palavras, Benedetti é um autor que
merece ser descoberto. Hoje trago a dica do livro A Borra de Café, publicado em português pela editora Alfaguara. No
livro, temos as memórias da infância e da juventude de Claudio, alterego de
Benedetti. Uma boa segunda-feira para vocês!
“Foi a partir dessa escolha que minha
relação com Mariana mudou. Coincidentemente, minha ausência de vários dias a
fizera concentrar-se em si mesma e medir-se e medir-me. E decidir apostar em
nós. Dois ex-namorados ficaram para trás. Disse-me isso sem chorar, com seus
olhos escuros bem abertos. De modo que quando voltei para ela, e também lhe narrei
quanto Rita havia pesado em minhas vacilações (Até então, eu nunca a mencionara
a Mariana) e lhe disse que ficaria definitivamente com ela, o fato de termos
escolhido, ela a mim, eu a ela, cada um por conta própria e em liberdade,
significou um pacto espontâneo, sem papéis nem testemunhas, e quando por fim
nos abraçamos, pela primeira vez mais aquém e mais além do tango que nos havia
juntado, sabíamos que isso ia ser perdurável, isto é, tão perdurável quanto o
transitório admite.”