Archive for fevereiro 2012

No tempo em que Rousseau era rei

fev
2012
29

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Nossas leituras nem sempre são literárias e hoje trago uma dica de um didático livro sobre história das ideias, focado no movimento Iluminista. É possível dizer que o mundo ocidental ainda é, essencialmente, moderno, no sentido filosófico do termo, isto é, sua cultura, costumes, valores, tradições foram forjadas na Idade Moderna com a formação dos estados nacionais e com as revoluções liberais. Compreender o ideário que estava na base de todo esse movimento é compreender a nossa forma de ver e viver o mundo. Existem muitos bons estudos e ensaios sobre o tema, de natureza mais acadêmica, mas para quem quer ler por curiosidade histórica, só para engrandecer seu conhecimento geral, através de um texto simples, didático e acessível, recomendo a leitura de O Iluminismo e os Reis Filósofos do historiador Luiz Salinas Fortes, publicado pela editora brasiliense na coleção “Tudo é História”. O texto é delicioso – dá pra ler na fila do banco, no intervalo da aula, antes de dormir, enfim, é agradável, acessível, sem deixar de cuidar do rigor histórico. Uma boa leitura para nós que somos eternos alunos!


“Como entender essas Luzes, como perceber o sentido dessa “iluminação” e como caracterizar essa filosofia? Eis aí os nossos problemas. Mas não pense o leitor que temos a pretensão neste simples estudo introdutório de responder a perguntas tão difíceis de forma exaustiva. Quem quiser compreender mesmo os filósofos do Iluminismo terá que ler suas obras. O que posso fazer aqui, portanto, é apenas formular um convite a essa leitura.”

* O quadro de Joseph Wright, pintado no século XVIII, é uma referência visual da simbologia iluminista. O experimento científico é a "luz" em meio à treva a que está submetido o povo.

Magritte e o Surrealismo

fev
2012
28

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René Magritte é um dos representantes do movimento surrealista na Europa, Escola influenciada pela “descoberta” do inconsciente por Sigmund Freud. O pintor nasceu na Bélgica em 1898. A representação da realidade fantástica e a desorganização da lógica são características do movimento surrealista, que alcançou o auge com a obra de Salvador Dalí.


A Literatura e a Mentira: Mais de Agualusa

fev
2012
26

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Escolhi o trecho abaixo da obra O Vendedor de Passados, de José Eduardo Agualusa, publicada pela editora Gryphus, em 2011, segunda edição, página 75. Uma boa análise sobre o papel do escritor.



 “ – Nos seus romances você mente propositadamente ou por ignorância?

Houve risos. Um murmúrio de aprovação. O escritor hesitou três segundos. Depois contra-atacou:

- Sou mentiroso por vocação -, bradou: - Minto com a alegria. A literatura é a maneira que um verdadeiro mentiroso tem para se fazer aceitar socialmente.

Acrescentou a seguir, já mais sóbrio, baixando a voz, que a grande diferença entre as ditaduras e as democracias está em que no primeiro sistema existe apenas uma verdade, a verdade imposta pelo poder, ao passo que nos países livres cada pessoa tem o direito de defender a sua própria versão dos acontecimentos. A verdade, disse, é uma superstição. A ele, Félix, impressionou-o esta ideia.

- Acho que aquilo que faço é uma forma avançada de literatura -, confidenciou-me. – Também eu crio enredos, invento personagens, mas em vez de os deixar presos dentro de um livro dou-lhes vida, atiro-os para a realidade."

Para conhecer e gostar: José Eduardo Agualusa

fev
2012
26

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Alguns amigos que gostam de literatura preferem dedicar seu tempo de leitura aos clássicos, obras de autores consagrados, que refletem grandes conflitos, tempos passados, valores tradicionais. É o caso de autores como Machado de Assis, James Joyce, Fiódor Dostoiévski, entre tantos outros. Eu confesso que tenho uma grande predileção pela literatura não tão conhecida, a que é feita hoje, ou há poucas décadas, em países exóticos, e que retratam realidades e conflitos inexistentes no meu cotidiano.



Uma das boas surpresas ao buscar os autores menos conhecidos foi deparar com José Eduardo Agualusa, autor angolano nascido em 1960 e que já escreveu obras como Barroco Tropical e Estação das Chuvas. Agualusa escreve uma prosa muito suave, intimista apesar da contextualização social atenta, quase lírica. Um deleite. Minha última leitura foi o seu romance O Vendedor de Passados. Na história, Félix Ventura, um negro albino, leva a vida a inventar o passado para políticos, perseguidos, fugitivos. Pessoas que simplesmente querem renascer, refazer sua história pessoal. É curioso como as invenções de Félix são a tal ponto verossímeis que os personagens se veem envolvidos com suas novas histórias, acreditando que são descendentes daquele barão brasileiro, ou daquela atriz de Hollywood radicada na África. Uma grande leitura. Recomendo a todos que busquem conhecer o Agualusa, um autor jovem, que escreve em português, com cores que lembram muito as nossas próprias origens.

Já já posto um trecho da história de Félix.

A Paz do Silêncio

fev
2012
24

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Sexta-feira com clima de terça. Hoje acordei antes da hora, os cinco minutinhos viraram vinte. O pé roçando na beirada da cama, sentindo a textura do lençol, do cobertor, a respiração profunda e pausada. O ruído do ar condicionado confundindo-se com o alarido dos carros na rua – os pássaros dos tempos de hoje. Ainda há trabalho a fazer, reuniões a conduzir, aulas para dar. E, em meio a toda essa confusão de agendas, ideias, compromissos, pendências, eis que me surge um súbito desejo de uma orquídea fresca. Um retrato vivo de beleza. Porque a alma está cansada, mas os olhos, não. E nesses momentos, em que o melhor é calar, recolher, evitar o contato - ainda que literário - o que nos resta é concentrar na beleza viva do silêncio. No aprendizado do contemplar.

Nas últimas semanas, tenho dedicado pouco tempo - por absoluta falta de energia mental - à literatura. Mas vou tentando retomar, aos poucos. Há períodos da vida que os nossos próprios conflitos e angústias são volumosos demais para que entremos na vida dos personagens. É como estar no palco de um teatro, representar um papel, e precisar sentir nas entranhas todo o turbilhão de sentimentos da história alheia.

Chuva de Renovação: Manuel Bandeira

fev
2012
23

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Não adianta deitar na cama e esperar que o sono traga algo bom, um sopro de vida. É preciso, acordada, respirar fundo, recuperar energia, meditar três minutos e pensar que tudo pode retomar o seu ritmo. E que seja um ritmo doce.




Enquanto a chuva cai

Manuel Bandeira


A chuva cai. O ar fica mole . . .
Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.


Torvelinhai, torrentes do ar!


Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.


Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.


Volúpia dos abandonados . . .
Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer . . .


Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!


A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!


Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!


E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.


É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

Saudade do Carnaval: Vinícius

fev
2012
22

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Marcha da Quarta-Feira de Cinzas

Vinícius de Moraes





Acabou nosso carnaval

 Ninguém ouve cantar canções

 Ninguém passa mais brincando feliz

 E nos corações

 Saudades e cinzas foi o que restou



Pelas ruas o que se vê

 É uma gente que nem se vê

 Que nem se sorri

 Se beija e se abraça

 E sai caminhando

 Dançando e cantando cantigas de amor



E no entanto é preciso cantar

 Mais que nunca é preciso cantar

 É preciso cantar e alegrar a cidade



A tristeza que a gente tem

 Qualquer dia vai se acabar

 Todos vão sorrir

 Voltou a esperança

 É o povo que dança

 Contente da vida, feliz a cantar

 Porque são tantas coisas azuis

 E há tão grandes promessas de luz

 Tanto amor para amar de que a gente nem sabe



Quem me dera viver pra ver

 E brincar outros carnavais

 Com a beleza dos velhos carnavais

 Que marchas tão lindas

 E o povo cantando seu canto de paz

 Seu canto de paz

Amor da Tarde: Neruda

fev
2012
21

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Por Pablo Neruda



Nós perdemos também este crepúsculo.

Ninguém nos viu à tarde com as mãos unidas

enquanto a noite azul caía sobre o mundo.



Vi, de minha janela,

a festa do poente nos montes distantes.



Às vezes, qual moeda,

acendia-se um pouco de sol em minhas mãos.



Eu te recordava com a alma apertada

por essa tristeza que conheces em mim



Então, onde estarias?

Junto a que gente?

Dizendo que palavras?

Por que me há de vir todo este amor de um golpe

quando me sinto triste e te sinto distante?



Caiu-me o livro que sempre se escolhe ao crepúsculo,

e como um cão ferido rolou-me aos pés a capa.



Sempre, sempre te afastas pela tarde,

até onde o crepúsculo corre apagando estátuas.

Lirismo de Carnaval: Caetano e Almodóvar

fev
2012
20

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O filme Hable com Ella, do Almodóvar, é uma história magnífica sobre amor, obsessão, fidelidade. Deixo-os com um vídeo da música Cucurrucucucu Palloma, interpretada por Caetano Veloso sob a direção do mestre espanhol. Boa segunda de carnaval a todos.

O Valor da Futilidade: Mark Twain

fev
2012
19

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Domingo de carnaval para os seres pouco sadios como eu é de muito sono, preguiça, chamego de gato e leiturinhas leves. Há uma semana, num passeio casual pela livraria, encontrei um livro do Mark Twain que me chamou atenção pelo título: Dicas Úteis para uma Vida Fútil – Um Manual para a Maldita Raça Humana. O autor de O Príncipe e o Mendigo era reconhecido pelo seu humor fácil e irônico, e este livro é uma coletânea de pequenos e despretensiosos textos sobre comportamento, modos à mesa, dicas de etiqueta, viagens, etc. Uma delícia de ler! Porque todos nós precisamos da futilidade para nutrir um olhar lúdico sobre a vida. Deixo-os com um trecho de uma carta escrita por Mark à sua mulher.




“Adoro escrever que vou chegar, é como se fosse estar aí amanhã.  E adoro pensar em tocar a campainha à meia-noite (depois, dar uma pausa de um ou dos segundos), girar a maçaneta e ouvir: - Quem é? – depois, muitos beijos, você e eu no banheiro, eu tomando meu coquetel e tirando a roupa e você do lado, depois para a cama e...tudo feliz e alegre como deve ser. Eu realmente amo e aprecio você, minha querida.”

Chuva ao som da Bossa Nova

fev
2012
17

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Começo cedo a sexta-feira com a esperança de que as águas de março tragam dias mais tranquilos. Já está faltando fôlego! As lindas vozes de Elis e Tom para acalmar os ânimos.






Águas de Março
Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É pereba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumueira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
Pau, pedra, fim, caminho
Resto, toco, pouco, sozinho
Caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.

Tenho tanto cansaço, Carlos...

fev
2012
14

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A hora do cansaço

Por Carlos Drummond de Andrade


As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Valsinha Francesa

fev
2012
13

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Uma linda valsa para um fim de noite tranquilo.



Despertador, só mais cinco minutos!

fev
2012
13

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Começo de semana requer energia nova. Força para acreditar que a segunda-feira será boa, que os dias trarão os melhores ventos, alegrias, pausas, amores. Meu dia começou com a preguiça, o namoro com o despertador. Cinco minutos a mais que definem o sucesso da rotina, o tempo para respirar, sonhar com um beijo proibido, pensar na roupa que vestir, ouvir o miado baixinho do gato na porta, pedindo atenção.  O intervalo entre as seis e as seis e cinco da manhã acolhe um mundo de possibilidades. E agora, em pleno horário comercial, sou toda devaneio, inspiração, vontade de mar. Tenhamos todos uma linda semana. A fotografia é de Robert Doisneau.

Dylan Thomas: Enfant Terrible

fev
2012
12

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Hoje à tarde, passeando pela livraria, tive o prazer de encontrar o amigo e leitor do blog André, colega de mestrado e alma boa. André me indicou a leitura do poeta Dylan Thomas, do País de Gales, nascido em 1914 e falecido em 1953, vítima de complicações decorrentes do alcoolismo. Segundo André me explicou, Bob Dylan, músico que adoro e cujo nome foi herdado pelo meu gatinho, inspirou-se em Dylan Thomas para criar o seu nome artístico. Vale a leitura e o agradecimento ao amigo pela gentileza da indicação.




DIR-SE-Á QUE OS DEUSES

Por Dylan Thomas



Dir-se-á que os deuses esmurram as nuvens

Quando o trovão as amaldiçoa?

Dir-se-á que choram quando urra a atmosfera?

Serão os arco-íris a cor de suas túnicas?



Quando chove, onde estão os deuses?

Dir-se-á que fazem brotar a água

Dos vasos do jardim, ou que desatam as torrentes?



Dir-se-á que, à maneira de Vênus, as tetas

De um velho deus são ordenhadas e mordidas,

Ou que a úmida noite me censura como alguma ama-de-leite?



Dir-se-á que os deuses são pedra.

Ecoará sobre a terra uma pedra que caiu,

Ressoará o seixo arremessado? Deixa que as pedras falem

Com as línguas que falam todas as línguas.

Quem de nós morrerá de amor?

fev
2012
11

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Dias de muita aflição, ansiedade, pequenos cuidados burocráticos. Todo esse desperdício de energia me deixa cansada demais para ler qualquer coisa. Toda força tem que ser poupada para as aulas e o trabalho. Mas hoje, sábado, depois de algumas horas de sono, eis-me aqui, postando as palavras do sempre belo, sempre apaixonante, sempre querido Vinícius de Moraes, porque nos últimos dias tenho convivido com vários devaneios românticos.




A hora íntima



Por Vinícius de Moraes



Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: - Nunca fez mal...
Quem, bêbedo, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: - Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: - Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: - Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?

Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?


O Carnaval Barato de Chico Buarque

fev
2012
08

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Hoje trago uma música para animar os corações e preparar o espírito para o clima carnavalesco. A letra é divertida e alegre, e o ritmo tem jeitinho de samba canção, para nos imaginarmos fantasiados, pulando em plena avenida. Reparem na cadência ondulante da música, com letra fácil e de versos curtos, para facilitar a memorização do grande público. A letra é do mestre Chico Buarque para música de Francis Hime e faz parte do álbum Almanaque.





Amor Barato

Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Modesto
Um tipo de amor
Que é de mendigar cafuné
Que é pobre e às vezes nem é
Honesto
Pechincha de amor
Mas que eu faço tanta questão
Que se tiver precisão
Eu furto
Vem cá, meu amor
Aguenta o teu cantador
Me esquenta porque o cobertor é curto
Mas levo esse amor
Com o zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha
Que enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor
Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha
Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Barato
Um tipo de amor
Que é de esfarrapar e cerzir
Que é de comer e cuspir
No prato
Mas levo esse amor
Com zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha
Que, enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor
Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha

A Mulher de Vinícius

fev
2012
07

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Por Vinícius de Moraes


Longe dos pescadores os rios infindáveis vão morrendo de sede lentamente...
Eles foram vistos caminhando de noite para o amor - oh, a mulher amada é como a fonte!
A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo
A mulher amada é como o lago dormindo no cerro perdido
Mas quem é essa misteriosa que é como um círio crepitando no peito?
Essa que tem olhos, lábios e dedos dentro da forma inexistente?

Pelo trigo a nascer nas campinas de sol a terra amorosa elevou a face pálida dos lírios
E os lavradores foram se mudando em príncipes de mãos finas e rostos transfigurados...

Oh, a mulher amada é como a onda sozinha correndo distante das praias
Pousada no fundo estará a estrela, e mais além.


Uma flor para você

fev
2012
06

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Imagine um passeio pelos campos de lavanda da Provença. A terra morna sob os pés, entre os dedos, as mãos roçando nas flores perfumadas e levemente secas, os olhos fechados, um vento suave que agita os cabelos, o aroma intenso, repousante, de lavanda selvagem, que invade o nariz, abraça o corpo, ao redor só o violeta profundo até o horizonte. Imagine que o presente é satisfação, apenas o sol na pele, a terra úmida, o azul salteado de flocos brancos. Imagine que é possível sonhar mesmo às segundas-feiras, quando a diarista atrasa, o marceneiro liga, o telefone toca. Imagine.


O Entendimento do Outro: Fernando Pessoa

fev
2012
04

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Por Fernando Pessoa
                                                 
Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

O Tempo é Hoje: Carlos Nóbrega

fev
2012
03

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Na semana de volta às aulas, muito trabalho, correria e uma virose para fazer companhia, além da notícia da mudança repentina de casa. Com tanto acontecendo, o turbilhão do tempo, decidi trazer nesta noite de sexta-feira um texto do poeta cearense Carlos Nóbrega, cuja obra O quanto sou conheci através do presente gentil do documentarista e colega professor Felipe Barroso, por ocasião do meu aniversário. Com o poema, podemos pensar um pouco sobre a vivência do presente e da abstração da passagem do tempo.



A ÚLTIMA SEMANA
Por Carlos Nóbrega

Amanhã é terça-feira, ou não
Depois quarta-feira, ou não
Depois quinta-feira, ou não
Depois, com certeza, feira nenhuma
Depois nem sábado nem domingo,
nunca mais.
Hoje, sim, é o único dia dos tempos.

Na Escuridão com Rembrandt

fev
2012
02

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Rembrandt foi um pintor holandês nascido no começo do século XVII. Especial em sua pintura é a percepção do jogo de luzes e sombras, da temática sacra, as fisionomias sempre pesarosas. Um grande pintor para inspirar nossa quinta-feira.