Vamos começar nossa programação carnavalesca com uma música do Chico Buarque. Afinal, amar é crime e sambar é pecado? Bom carnaval, amigos!
Archive for fevereiro 2013
Gorjeios
Manoel de Barros
Gorjeio é mais bonito do que canto porque nele se
inclui a sedução.
É quando a pássara está namorada que ela gorjeia.
Ela se enfeita e bota novos meneios na voz.
Seria como perfumar-se a moça para ver o namorado.
É por isso que as árvores ficam loucas se estão gorjeadas.
É por isso que as árvores deliram.
Sob o efeito da sedução da pássara as árvores deliram.
E se orgulham de terem sido escolhidas para o concerto.
As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.
inclui a sedução.
É quando a pássara está namorada que ela gorjeia.
Ela se enfeita e bota novos meneios na voz.
Seria como perfumar-se a moça para ver o namorado.
É por isso que as árvores ficam loucas se estão gorjeadas.
É por isso que as árvores deliram.
Sob o efeito da sedução da pássara as árvores deliram.
E se orgulham de terem sido escolhidas para o concerto.
As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.
on Reflexos
Mês
após mês, no ano de 2012, eu alimentei a fantasia de que haveria uma vida após
depósito da tese. Um mundo de possibilidades se abriria: o tempo, elástico,
seria bastante para cuidar do corpo, da cabeça, para dormir mais e passar mais
tempo com os amigos. Eu poderia usar o tempo fora do trabalho com qualquer
coisa que não fosse trabalho. Um tempo livre. Ouvir música, fazer yoga, ajustar
aquela pia do banheiro que precisa de um reparo, cuidar da reforma do gesso do
teto, enfim, a vida-nossa-de-cada-dia, “sem mistificações”. Um tempo para mim.
Essa ilusão não resistiu aos primeiros dias depois que eu consegui, finalmente,
colocar um ponto final no texto, imprimir e entregar na universidade o filho
pronto – cheio de imperfeições, jogado à hostilidade da vida fora do gabinete.
A sensação de urgência está aqui, minuto após minuto. Seja como ideia – uma impressão
de que o tempo está passando, o relógio é implacável, a vida não pode ser
perdida – seja como realidade, o trabalho em si mesmo, a ida ao banco, os
imprevistos, o supermercado por fazer, as oportunidades profissionais que a
vida joga no seu colo e você não pode, simplesmente, ignorar – especialmente quando
se tem vinte e poucos anos.
A
libertação do relógio é um processo que só pode ser vivido intimamente – não depende
de um depósito, de um dia no calendário, de uma confirmação do outro. É um
estado mental. O estado de quem se permite, simplesmente, desacelerar. Estou
ensaiando um grande passo, um passo íntimo, mas fundamental: desabilitar a opção do celular que permite a
sincronização com a conta de e-mails em tempo real. Quando eu conseguir conviver
com a ideia de que os e-mails estão chegando, as pessoas estão me procurando,
os problemas continuam a existir e, não obstante, aquele intervalo entre as
três e as quatro da tarde é meu e somente meu – inclusive para vivê-lo em
silêncio – creio que eu estarei, finalmente, liberta.
on Belas Artes
Todos
nós podemos conhecer, através de livros e da internet, representações dos
quadros de Van Gogh, saber quais são as formas da Vênus de Milo e desvendar os
mistérios simbólicos das telas de Rembrandt. Apesar de se poder conhecer a
representação, nada se compara à experiência sensorial de observar a obra de
perto: a tela de Van Gogh, por exemplo, é pura luz – emana uma combinação de
cores vibrantes e dançantes que parecem ter vida própria. É a glória da beleza
que se manifesta em sua forma mais concreta: uma tela coberta por pinceladas de
tintas. Recentemente pude observar no MASP uma obra de holandês Veermer,
chamada “Mulher lendo uma carta”, que passou por um processo de restauração minucioso.
O monitor mais moderno não é capaz de reproduzir aquele tom de azul da roupa da
personagem, construído pelo pintor a partir de experimentações que remontam a
séculos e séculos de tradição.
No
vídeo abaixo, chamado A Path of Beauty, acompanhamos a experiência de visita ao
museu do Louvre. Não uma simples visita: o museu está completamente vazio. Fico
imaginando o que seria ter um museu dessa magnitude só para si – só quem já se
acotovelou nas salas do Impressionismo no Museu D’Orsay sabe como é angustiante
querer perceber cada detalhe da pintura tendo várias pessoas em volta, falando,
em movimento, distraindo a sua atenção. Não nos custa sonhar com o imenso luxo
de se ter a solidão para apreciar a arte. Acho que vale conferir o videozinho. Bom fim de semana!